Fuga da Corte para o Rio de Janeiro, em 1807/1808, devido às invasões francesas, virou o império do avesso e ajudou a solidificar a ideia do Brasil independente consumada em 1822.
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O culpado é Napoleão. Isto é uma "blague", mas é claro que, ao invadir a Península Ibérica, em 1807, o imperador francês precipitou todos os processos secessionistas na América Latina. O caso do Brasil é diferente dos outros. Assinalando-se agora o bicentenário da independência (7 de setembro), lembra-se a colónia que passou a ser reino, em 1815, voltou a ser colónia, em 1820, e não suportou a afronta. Mais do que do instinto de libertação, o Brasil nasceu do orgulho ferido.
Esse é um quadro conjuntural, mas há sempre questões estruturais a ter em conta. E a mais importante é a viragem na economia mundial suscitada pela Revolução Industrial, beneficiando a Inglaterra, eminência parda em todo este processo. Necessitada de pôr termo à economia protecionista de plantações no mundo colonial, introduzindo um livre-cambismo que lhe era favorável, a potência britânica ajudou, também, a dar aos brasileiros (portugueses do Brasil) protagonismo, autonomia e potencial de crescimento.
Quando, fugindo às invasões francesas e à deposição (como sucedera em Espanha), o príncipe regente (futuro D. João VI) transferiu a Corte para terras brasileiras, a primeira coisa que fez foi decretar a abertura dos portos do Brasil às "nações amigas". E logo em 1810 firmou dois tratados com os ingleses: de Comércio e Amizade e de Aliança e Navegação.
miragem do reino unido
Tudo isso, a par do facto de ter ficado no centro do império, impulsionou decisivamente o crescimento do Brasil. E estimulou, desse lado do mar, os partidários de um império transoceânico com sede no Rio de Janeiro. Incluindo muitos conselheiros do regente (rei em 1816) e a própria família real, agradada com a vida num "país tropical/abençoado por Deus e bonito por natureza". Mesmo após a queda de Bonaparte, em 1815: nesse ano, o Brasil foi elevado à condição de reino, integrado no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Havendo uma inversão do império, Portugal passava de potência colonial a colónia (na prática, também, uma espécie de protetorado britânico comandado por William Carr Beresford). Algo a que a revolução liberal, desencadeada em 24 de agosto de 1820, veio pôr termo. Repondo a ideia de que Portugal era o centro do império, os vintistas exigiam a presença do monarca em Lisboa e, sistematicamente, iam esvaziando o Brasil da grandeza administrativa que adquirira enquanto sede do governo. Curiosamente, aos ingleses interessava agora apelar ao regresso do rei. O mercado estava garantido.
Regressado D. João VI a Lisboa em julho de 1821, esperava-o um papel praticamente decorativo na nova monarquia constitucional. E ao Brasil chegavam as sucessivas notícias de nova inversão dos polos do império. Colocava-se aí o problema, do lado brasileiro, não na dualidade absolutismo/liberalismo (já houvera no Brasil várias insurreições liberais, mas de pendor republicano). De D. Pedro falamos melhor noutro artigo, mas aí nasceram as circunstâncias que o levaram a proclamar a independência e a aceitar o título de imperador: os brasileiros, que já o eram de alma e coração, não podiam entender que, no velho conceito de império, o gigante pudesse estar às ordens do anão.