A guerra dos camarões vermelhos entre Itália e Líbia: pescadores por futebolistas traficantes
Nos últimos dois meses, o destino de 18 pescadores da Sicília parece ter-se cruzado com o de quatro jovens futebolistas líbios, presos em Itália por tráfico humano e homicídio, e criado uma crise diplomática.
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Tudo devido à detenção dos pescadores pela Guarda Costeira Líbia enquanto pescavam camarão vermelho, numa zona do Mediterrâneo reclamada pela Líbia. A libertação dos pescadores tornou-se complicada devido à exigência de troca destes prisioneiros pelos futebolistas traficantes condenados em Itália.
O camarão vermelho pode custar mais de 50 euros o quilo. A sua pesca pelas famílias do porto siciliano de Mazara del Vallo ao largo da costa da Líbia, a mais de 600 metros de profundidade, é uma prática com décadas. Os pescadores da Sicília foram intercetados, a 1 de setembro passado, por alegadamente pescarem em águas territoriais da Líbia e foram levados para Bengazi, onde o líder da região Khalifa Haftar ordenou que fossem presos. Assim permanecem.
"Os nossos pescadores estão detidos por um partido líbio não reconhecido pelo governo italiano, nem pela União Europeia, nem pelas Nações Unidas", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, Luigi di Maio, ao Senado, em meados do mês passado, quando prometia trazer para casa os 18 homens (oito italianos, seis tunisianos, dois indonésios e dois senegaleses) detidos na Líbia em dois barcos.
Di Maio explicava que os pescadores teriam sido detidos pela alegada violação de uma "zona de pesca protegida", uma zona de mar que se estende por 119 quilómetros desde a costa e que foi unilateralmente reivindicada como sua pela Líbia em 2005. "A área tem sido palco de inúmeros incidentes (ao longo dos anos), desde a interceção e apreensão de barcos de pesca à detenção de tripulantes e até ataques" por embarcações líbias, acrescentava Di Maio. A imprensa italiana apelidou o caso de "a guerra do camarão".
Traficantes cumprem pena de 30 anos de prisão
As famílias dos pescadores acreditam que estes são mantidos por Khalifa Haftar como moeda de troca para a libertação dos quatro jogadores de futebol líbios, presos na Sicília em 2015 e condenados a 30 anos de prisão por tráfico humano. O tribunal considerou-os culpados por trancarem migrantes num convés superlotado e usado de violência, durante uma travessia marítima para Itália, na qual morreram 49 pessoas. Os seus advogados alegaram que estes eram requerentes de asilo e que fugiam de um país dilacerado pelo conflito na África do Norte.
Itália já teve boas relações com o Exército Nacional da Líbia, sob o comando militar de Khalifa Haftar, mas agora o governo está alinhado com os seus adversários de Trípoli. Para Francesco Mezzapelle, diretor do grupo de comunicação Prima Pagina em Mazara del Vallo, "isto parece vingança de Haftar, porque o governo italiano parece apoiar o outro lado, Trípoli", diz à "BBC".
O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Roma não quis comentar à "BBC" a situação dos pescadores, mas Francesco Mezzapelle acredita que tem havido negociações entre os italianos e o Exército Nacional da Líbia. "A inteligência italiana entrou em contacto com seus homólogos líbios para saber se um pagamento pelo resgate libertaria os pescadores. Mas desta vez, não se trata apenas de uma questão económica, mas política", explica.