Não nasceu para ser rainha, mas o destino mudou-lhe os planos. Sete décadas após ter assumido o trono britânico, quando tinha apenas 25 anos, Isabel II despede-se dos súbditos e dá lugar àquele que será Carlos III.
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Se em criança lhe dissessem que viria a ser rainha, talvez não acreditasse. Nascida em 1926, Isabel Alexandra Maria foi a primogénita de Jorge, segundo na linha de sucessão ao trono britânico. Mas uma abdicação por parte do irmão, Eduardo VIII, fez com que este viesse a assumir o lugar, fazendo de "Lilibet" - como era carinhosamente tratada no seio familiar - herdeira presuntiva da Coroa quanto tinha apenas 10 anos de idade.
A responsabilidade que o futuro lhe guardava alterou por completo o rumo da sua vida. Nos primeiros anos de vida teve pouca instrução, mas com a abdicação do tio passou a ter uma educação mais aprimorada, que a preparou para os desafios que viria mais tarde a enfrentar como monarca. Começou a ter aulas de inglês, francês e história no Castelo de Windsor, onde vivia com os pais e a irmã, a princesa Margarida, quatro anos mais nova.
Na perspetiva de um dia vir a assumir as rédeas da Coroa, Isabel recebeu ainda formação religiosa do Arcebispo de Cantuária, estudou arte e música, aprendeu a montar a cavalo - paixão que a acompanhou quase até ao último suspiro - gostava de nadar e chegou mesmo a estrear-se em pequenas peças de teatro amador.
À medida que foi crescendo, a princesa foi ganhando consciência da participação na vida pública. Com 14 anos, ecoou a primeira mensagem radiofónica, transmitida em outubro de 1940, durante um programa em direto da BBC, dedicado às crianças da Grã-Bretanha e da Commonwealth (Comunidade Britânica), e aos poucos foi conquistando o povo que um dia viria a liderar.
"Princesa Mecânica"
Dois anos mais tarde, foi nomeada Coronel do regimento dos "Grenadier Guards" e, quando completou 16 anos, encarou o primeiro compromisso público oficial, inspecionando o regimento. A partir de então, multiplicaram-se as funções oficiais.
Mais perto de atingir a idade adulta, Isabel tornou-se presidente do "Queen Elizabeth Hospital for Children" em Hackney e da Sociedade Nacional para a Prevenção da Violência sobre as Crianças. Foi nesta altura que passou a acompanhar os pais em muitas das visitas que os monarcas faziam no Reino Unido. No entanto, só após ter completado 18 anos, em 1944, é que assumiu, pela primeira vez, funções na Coroa, ao ser nomeada Conselheira de Estado.
Embora conhecesse bem as responsabilidades que estariam por vir, no decorrer da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) a princesa tomou uma decisão pouco habitual para um membro da monarquia, tornando-se na primeira mulher da Família Real britânica a integrar as Forças Armadas. A herdeira ao trono assumiu o posto subalterno no Serviço Territorial Auxiliar, em março de 1945, em cujo âmbito veio a guindar-se, no final do conflito, ao posto de Comandante Júnior.
Tal como muitos jovens britânicos, a futura rainha tinha o sonho de se alistar no exército para ajudar Inglaterra a vencer a guerra, porém, os país de Isabel não permitiram que a princesa se deslocasse para fora do Reino Unido. A persistência de "Lilibet" acabou por vencer a proteção dos progenitores e, no início de 1945, o rei Jorge VI permitiu que a filha mais velha entrasse no Serviço Feminino Auxiliar do Território (ATS, sigla em inglês), no qual interveio, fazendo reparos mecânicos em veículos usados pelos soldados.
O trabalho voluntário valeu-lhe o carinhoso apelido de "Princesa Mecânica" e, apesar da resistência inicial, os reis mostraram-se orgulhosos do trabalho que Isabel desempenhou ao serviço do país.
No rescaldo da Segunda Guerra Mundial, deu mais uma prova de que estaria pronta para enfrentar os desafios que a esperavam. Durante uma viagem com a irmã e os pais a África do Sul e à antiga Rodésia, no dia em que fez 21 anos, comprometeu-se a servir a Coroa, o país e a Commonwealth num discurso emitido pela BBC, ainda antes de se tornar numa mulher casada.
Casamento transmitido na televisão
Foi a 20 de novembro de 1947, que a princesa trocou alianças, na Abadia de Westminster, com o tenente Filipe Mountbatten, príncipe da Grécia e Dinamarca (filho do príncipe André da Grécia e trineto da rainha Vitória), que viria ser príncipe Filipe, Duque de Edimburgo - casamento do qual resultaram quatro filhos: Carlos, príncipe de Gales, Ana, André e Eduardo.
A cerimónia ficou marcada por alguns problemas familiares, uma vez que Filipe não era britânico e as irmãs estavam casadas com alemães ligados às altas patentes nazis. Ainda assim, os receios que pairavam em Buckingham não abalaram a felicidade dos noivos. Eternos apaixonados, Filipe e Isabel, primos em terceiro grau, que partilhavam a rainha Vitória como trisavó, viveram os primeiros anos de forma tranquila, passando muito tempo fora no seguimento de viagens em representação do rei Jorge VI - que estava com a saúde cada vez mais fragilizada.
Precisamente durante uma viagem ao Quénia, a herdeira ao trono recebeu a notícia da morte do pai. Ainda 25 anos, regressou ao Reino Unido para, no mesmo dia, ser proclamada rainha. Apesar de ter assumido os destinos da monarquia a 6 de fevereiro de 1952, foi coroada, meses depois, numa cerimónia transmitida em direto na BBC, à qual assistiram milhões de pessoas em todo o Mundo.
Com o passar dos anos, Isabel tornou-se numa figura respeitada pelos britânicos, dando provas de que a posição que ocupava era fulcral para manter a estabilidade do país. Mas nem tudo foram rosas, e os anos dourados da monarca também foram marcados por polémicas que abalaram o bom nome da Coroa. De questões políticas a assuntos de cariz pessoal, a rainha que jurou dedicar a vida ao povo britânico, começou a ver alguns pilares fundamentais tremer.
"Annus horribilis"
Mãe de quatro filhos, foi na descendência que encontrou razões para grandes preocupações. Nos anos 80, quando o príncipe de Gales casou com Diana, a princesa conquistou o coração dos britânicos, mas a popularidade da família real teve exatamente o efeito oposto, sobretudo depois do divórcio do casal, em 1997. Cinco anos antes, também o príncipe André se separou de Sarah Ferguson e a princesa Ana anunciou o divórcio.
Estes foram os ingredientes perfeitos para que a família começasse a ser atacada pelos tabloides que tentavam arruinar o nome dos Windsor. Para piorar, o Castelo de Windsor foi palco de um incêndio de grandes dimensões. Posteriormente, Isabel II assumiu que 1992 terá sido um ano para esquecer, apelidando-o de "annus horribilis".
Um vislumbre de esperança começou a surgir no início do novo milénio, apesar de em 2002 - ano do Jubileu de Ouro - Isabel II ter perdido a mãe e a irmã em menos de dois meses. Com a popularidade da família real cada vez mais afetada, foi com o auxílio de Tony Blair, então primeiro-ministro do país, que conseguiu reconquistar a adoração dos súbditos.
Depois de uma avalanche de problemas, a simpatia do povo foi uma meta difícil de alcançar, mas esta parecia ficar mais próxima à medida que a participação dos membros mais jovens da família na vida pública ia aumentando. O casamento do príncipe William com Catherine Middleton, em 2011, foi um dos momentos mais marcantes da década e uniu milhões de britânicos que pararam para ver a cerimónia que juntou os duques de Cambridge.
Um ano depois, "Lilibet" alcançou um feito até então só conseguido pela Rainha Vitória: o Jubileu de Diamante, que assinalou os 60 anos do reinado.
Um legado inabalável
Foi depois da pandemia de covid-19, em 2020, que a rainha deu os primeiros sinais de que a sua saúde estaria fragilizada. O palácio começou a diminuir a carga de trabalho atribuída à monarca nonagenária, com o príncipe Carlos e outros membros da família real a representá-la em visitas ao estrangeiro e outros compromissos públicos.
Para trás ficaram os tempos em que montava a cavalo e passeava os adorados cães de raça Corgi nas propriedades reais, mas a crise de saúde pública marcou ainda uma outra quebra nas tradições reais.
Habituada a festejar o Natal em Sandrigham, junto dos quatro filhos, oito netos, 12 bisnetos e da restante família, viu-se obrigada, pela primeira vez, a passar a quadra apenas na companhia do marido - o príncipe Filipe, que acabou por morrer em abril de 2020.
Graças à proibição de ajuntamentos imposta pelo Governo de Boris Johnson para combater a pandemia, o funeral do príncipe consorte contou apenas com 30 membros da família e não cumpriu o protocolo que estava previsto. A imagem de Isabel II sozinha na Capela de São Jorge, no Castelo de Windsor, correu Mundo.
Caraterizada pela imparcialidade imposta pelos deveres da monarquia, conseguiu manter-se à margem das polémicas que ensombraram a monarquia britânica nos últimos anos. Do escândalo sexual que envolveu o príncipe André ao afastamento de Harry e Meghan Markle da família real, Isabel II manteve-se firme no lugar que ocupou durante 70 dos 96 anos em que viveu.
Recentemente, no Jubileu de Platina, festejado com pompa e circunstância por todo o Reino Unido, em junho deste ano, Isabel II ficou ausente de algumas das celebrações por, nos últimos meses, ter apresentado problemas de mobilidade que não lhe permitiram marcar presença nos eventos.
Ainda assim, e como fez ao longo de sete décadas, manteve o compromisso de, sem saber, pela última vez na vida, aparecer na varanda do Palácio de Buckingham e acenar aos súbditos. Vestida de verde esperança, e ladeada pela família, deu o derradeiro adeus a um povo que a admirou e agora está unido no último adeus à monarca que mais tempo reinou em Inglaterra.