O Congresso brasileiro aprovou esta semana uma emenda constitucional que permite a Jair Bolsonaro distribuir benesses em plena campanha eleitoral, fazendo cair a lei que proibia ao presidente tomar este tipo de decisões seis meses antes do ato eleitoral.
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Com esta alteração à Constituição, é possível declarar o país em "estado de emergência", autorizando a despesa de mais 7,6 mil milhões de euros (41,25 mil milhões de reais) até ao fim do ano em subsídios sociais, apoios aos pequenos agricultores (como a oferta de tratores) e também a faculdade de tirar uma verba já reservada a um município para a transferir para outro, conforme as conveniências políticas.
A mudança na Constituição poderá permitir a Bolsonaro encurtar distâncias para Lula da Silva, do PT, que surge como o favorito a ganhar o ato eleitoral marcado para 2 de outubro. Segundo a mais recente sondagem do grupo Data-Folha, a 23 de junho, o antigo presidente reunia 53% das intenções de voto, enquanto que Bolsonaro não ia além dos 32%.
Jair Bolsonaro vai poder aumentar o valor do Auxílio Brasil - correspondente ao RSI em Portugal - de 400 reais para 600 reais (110 euros), ajudar os camionistas independentes e taxistas, oferecer um subsídio aos consumidores de gás mais pobres, o que poderá "turbinar" a popularidade do atual presidente na corrida ao Palácio do Planalto.
O politólogo António Lavareda, presidente do conselho científico do Instituto de Pesquisas Sociais Políticas e Económicas de São Paulo, é taxativo, em declarações ao JN: "Vai repercutir positivamente para o presidente Bolsonaro". E explica que "se há um aumento do apoio aos mais pobres entre agosto e dezembro, o que representam mais mil reais no bolso dos mais necessitados, isso tem impacto nas intenções de voto. São 18 milhões os beneficiados, entre os quais uma grande parte que apoia o ex-presidente Lula".
decisão atrasada
Mas António Lavareda acrescenta que Bolsonaro "teria beneficiado mais se esta decisão tivesse sido implementada no final do ano passado". Quanto a Lula, "teve de apoiar a medida, mesmo sabendo que ela é eleitoralista". Bolsonaro justificou o novo pacote de subsídios com a inflação anual de 12% no país, que atribuiu ao impacto económico da pandemia e da invasão russa à Ucrânia.
A Proposta de Emenda à Constituição - "PEC Kamikaze" para a oposição por ser a causa da destruição do Orçamento do Estado deste ano - teve, apesar de tudo, amplo apoio no Congresso.
Lula da silva cala-se
Mesmo Lula da Silva foi bastante cauteloso sobre o assunto, assinalando apenas que o efeito das benesses na imagem de Bolsonaro ainda precisa de ser avaliado. É que o ex-presidente também não quer criticar medidas que podem ajudar as franjas mais pobres da população, prejudicando assim o seu eleitorado. Atualmente, cerca de 33 milhões de brasileiros têm dificuldades para comer. Lula preferiu virar-se para outros desacertos de Bolsonaro, como o estímulo à violência, os ataques à democracia ou a banalização das mortes por covid.
Aliás, o receio do efeito da distribuição das benesses fez com que Lula da Silva tente um consenso junto da chamada terceira via para conseguir vencer logo na primeira volta, uma forma de "estancar as ameaças de rutura democrática feitas por Jair Bolsonaro". O ex-presidente procura apoio do Partido Social Democracia Brasileiro (PSDB), Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e União Brasil, mas estes resistem, preferindo deixar a decisão para uma possível segunda volta.
Um assassinato intrometido na campanha
No dia 9 de julho, um dos apoiantes de Bolsonaro irrompeu por uma festa de aniversário de um militante do PT e admirador de Lula e assassinou-o, gritando antes, alto e bom som, "aqui é Bolsonaro!". A vítima era tesoureiro do PT na Foz do Iguaçu, no Paraná. O atacante é polícia desde 2010, descrevendo-se nas redes sociais como cristão, conservador, contrário ao aborto e a favor das armas.
Com tamanha carga partidária, a tragédia adquiriu proporções gigantescas: um bolsonarista mata a tiros um militante do PT em vésperas de eleições. Uma bola de neve que continuará a estilhaçar a imagem de Bolsonaro, acusado pelos militantes do PT de incitar a violência desde que assumiu o cargo de presidente do Brasil há quatro anos.
Nesta semana, Jair Bolsonaro ligou ao irmão da vítima, seu apoiante, para tentar travar as repercussões políticas. Disse na videochamada que a imprensa o estava a tentar culpar pelo assassinato. "A imprensa, obviamente, quase toda, é de esquerda e está quase botando no meu colo a ação desse cara [o assassino]", afirmou.
Em 2018, num comício no Acre, o então candidato pegou num dos tripés usados pelos fotógrafos, segurou como se fosse uma metralhadora e, ao microfone, gritou"Vamos fuzilar a "petralhada" [militantes do PT] aqui do Acre!".
Já em abril, Otoni de Paul, pastor evangélico e deputado de Bolsonaro, disse que os militantes do PT deveriam ser recebidos "à bala". Perante as circunstâncias, Lula da Silva já pediu "medidas que têm por objetivo resguardar a segurança do processo eleitoral de modo a proteger a democracia".
Data das eleições
No dia 2 de outubro, os brasileiros vão às urnas para escolher presidente da República, governadores, senadores e deputados federais, estaduais e distritais. Uma eventual segunda volta para a eleição do presidente e dos governadores poderá ocorrer no dia 30 de outubro. As datas correspondem ao primeiro e último domingo do mês, conforme prevê a Constituição Federal brasileira.
O que mudou
Desde 1 de janeiro que ficou proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto em casos como calamidade pública, estado de emergência e execução orçamental do ano anterior. A alteração à Constituição mudou tudo.