Vivem-se dias agitados em Lorient, na região francesa da Bretanha. Se por um lado as restrições da covid-19 já não existem e todos se preparavam para o regresso à normalidade, pelo outro, uma guerra inesperada lançada pelo Kremlin na Ucrânia voltou a perturbar o já difícil dia a dia de quem trabalha com uma fina margem de lucro para sobreviver e depende de combustíveis fósseis para se movimentar, como os pescadores. Por linhas travessas, Putin pode deixar a região sem peixe durante a Quaresma.
Corpo do artigo
Na semana em que o presidente francês Emmanuel Macron anunciou o fim do passaporte sanitário e do uso de máscara em todos os locais, à exceção dos transportes, os teatros na Bretanha encheram-se de pessoas dispostas a mostrar os seus sorrisos, dois anos depois. Marie Basque comentava à entrada do teatro de Lorient, sábado a noite: "Isto é uma coisa maravilhosa, mas dá um pouco de medo". Enquanto pronunciava estas palavras, revistavam-lhe a carteira, já que o medo do terrorismo já existia muito antes da pandemia e continua a prosperar. Ainda este domingo teve mais uma efeméride dos dez anos do atentado de Toulouse.
Outro dos medos que paira sobre o país da "Liberdade, Igualdade e Fraternidade é o de uma guerra. Lorient conhece-a bem. A cidade foi completamente destruída durante a II Guerra Mundial. Durante a ocupação, os alemães decidiram construir a sua base naval e pôr os seus submarinos no porto e, como consequência, os Aliados bombardearam a cidade. Reza a história que lhe foram despejadas quatro mil toneladas de bombas, deixando-a sem edifícios em pé. Há vários monumentos repletos de flores, aos habitantes de Lorient mortos.
De uma forma estranha, a Guerra chegou outra vez por via marítima. Depois de bloqueado pelos pescadores durante cinco dias, o porto de pesca de Lorient, na Bretanha, em França, parecia ter regressado ao normal, após um levantamento da greve, na quinta-feira, mas o juízo talvez tenha sido precipitado.
Esta segunda-feira de manhã, mais uma marcha lenta marcou o dia. Norbert Guillou, líder do movimento de protesto contra o preço dos combustíveis, contava cerca de 150 veículos na estrada. Vários grupos de Vannes, Locminé, Quéven, Plouay convergiram com protestos de empresas de obras públicas, empresas agrícolas, paramédicos, táxis, agricultores e pescadores, um dos grupos mais visíveis do protesto.
A causa de protesto dos pescadores, o aumento dos combustíveis provocado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, só foi amenizado com a promessa de ajuda pelo Governo, mas ainda se vive num impasse.
Jean Laurent, pescador de cara tisnada pelo sol, não tem dúvidas sobre o tema: "Se Macron é o único que consegue falar com o Putin, qual é a dúvida. Eles que conversem e que cheguem a um acordo sobre o que vamos fazer aqui. Assim é que não da para trabalhar, ao mar não vamos. Que vá buscar peixe congelado, aos espanhóis", atira entre os dentes ao JN, sem mais vontade para grandes conversas.
Depois do anúncio do primeiro-ministro francês, Jean Castex, de uma ajuda extraordinária de 35 cêntimos por litro de gasóleo para as empresas de pesca, o responsável acrescentou que é uma prioridade manter a frota pesqueira a trabalhar, para garantir a "soberania alimentar do nosso país". Os pescadores vão também contar com um apoio das autarquias locais.
Mas, se tinham decidido por unanimidade acabar com o bloqueio nos portos, a história tornou a inverter na quinta-feira, o litro de gasóleo que custava 1.09 euros por litro passou a custar 0.98 por litro, mas as empresas abastecedoras dizem que não conseguem trabalhar com uma margem tão curta.
O impasse segue e resta esperar. Putin conseguiu deixar os franceses sem peixe na Quaresma.