Primeira-ministra da Nova Zelândia resignou ao cargo para estar perto da família, chamando a atenção para a importância do equilíbrio entre vida profissional e privada.
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A mais jovem mulher a chefiar um Executivo tornou-se num símbolo de feminilidade na política mundial. Cinco anos depois de chegar ao poder, Jacinda Ardern surpreendeu ao anunciar a resignação, dizendo que "o tanque está vazio". Na hora do adeus, a política de 42 anos frisou: "Sou humana", e deixou um recado para a família. O discurso ficou marcado por uma mensagem reveladora que levanta questões sobre a viabilidade de uma mulher num cargo político de topo conseguir equilibrar a vida profissional e familiar.
Quando, em 2017, Jacinda Ardern aceitou candidatar-se ao lugar de líder do Partido Trabalhista, rapidamente cativou os neozelandeses. Mulheres e jovens embarcaram na "Jacindamania" e o partido conseguiu chegar ao poder com uma coligação negociada. Nove meses após a formação da aliança política, Jacinda deu à luz.
A menina, hoje com quatro anos, que fez primeiras páginas em todo o Mundo quando a mãe a levou a uma reunião nas Nações Unidas, nos EUA, é um dos motivos para a resignação. "Neve, a mamã está ansiosa por estar contigo quando começar a escola", disse, no discurso em que anunciou que deixaria o gabinete, no máximo, até 7 de fevereiro. "Clarke, vamos finalmente casar-nos" disse, dirigindo-se ao companheiro.
Dilema sexista
Na perspetiva de Silvana Mota-Ribeiro, investigadora da Universidade do Minho, as declarações de Jacinda indicam que o facto de dar destaque à filha e ao namorado na despedida indica que, sendo mulher, "há coisas que aparentemente parecem negadas sendo primeira-ministra". "Se fosse um homem acredito que não recorreria a este tipo de afirmações para justificar a decisão", considera a especialista em comunicação.
Já Ana Gomes, antiga eurodeputada, defende que o argumento da família é muitas vezes usado pelos homens na hora de "abandonarem os cargos políticos", porém, "na maioria dos casos, isso não passa de justificações que escondem as verdadeiras motivações", realça a socialista, que conta com um vasto percurso na política.
Independentemente das motivações de Jacinda, Silvana Mota-Ribeiro acredita que o afastamento se deve a pressões, uma vez que "a sociedade ainda não está preparada para ter mulheres na política", refere, assinalando que a retirada é motivo de reflexão. "Aos homens nunca se pergunta como é que conseguem conciliar a família com o trabalho", constata. Na altura em que chegou ao poder, Jacinda esteve no centro de uma polémica, ao ser questionada sobre uma eventual gravidez. "É inaceitável considerar que as mulheres devem responder a esta questão", lamentou.
Recordando a experiência pessoal, Ana Gomes, que elogiou a líder pela "frontalidade", admitiu que se revê no discurso da chefe de Governo, lembrando que só conseguiu manter uma vida política ativa antes de ser mãe e mais tarde, quando a filha já era adulta. "É muito difícil", destacou.
Falhanços e sucessos
O clima económico atual esbateu a popularidade de Jacinda. O Governo trabalhista errou na resolução do problema da habitação e, devido a opções ideológicas, falhou em custear programas sociais, como prometera.
Mesmo assim, cumpriu muitas pretensões. Deixa o país com um nível recorde de emprego, um salário mínimo que cresceu 30% e os trabalhadores com licença parental paga de 26 semanas. "Espero ter deixado os neozelandeses com a crença de que podem ser otimistas", destacou no anúncio da resignação. "E que possam ser o vosso tipo de líder - aquele que sabe quando é tempo de sair", rematou.