Lula da Silva escapou à pobreza, fez a primária, foi metalúrgico, conseguiu governar o Brasil à quarta tentativa, tornou-se símbolo do poder dos trabalhadores no mundo e, esta sexta-feira, acabou detido por suspeitas de corrupção.
Corpo do artigo
Um novo capítulo na vida de Lula da Silva, presidente do Brasil de 2003 a 2011, começou hoje com buscas feitas à sua residência, que culminaram na sua detenção e redundaram em confrontos entre apoiantes e críticos do ex-presidente e renovados pedidos da oposição para a saída da atual Presidente, Dilma Rousseff, apadrinhada por Lula da Silva.
O antigo presidente foi levado da sua casa em São Bernardo do Campo, na periferia de São Paulo, para depor na polícia, sendo suspeito de ter enriquecido ilegalmente com a corrupção na petrolífera Petrobras, num esquema de fraude e lavagem de dinheiro que atravessa a elite política brasileira e que está a ser investigado no âmbito da Operação Lava Jato.
O filho pródigo do nordeste pobre deixou o cargo de presidente em 2011, depois de oito anos de mandato sempre com elevados índices de popularidade: quando saiu de Brasília, Lula da Silva tinha o apoio de 87% dos brasileiros, um valor que contrasta de forma gritante com o baixo nível de aprovação de Dilma, a sua afilhada política.
A transferência de poder foi, para Lula da Silva, a coroação de uma vida de dificuldades e incógnitas, a começar pelo próprio dia do nascimento: embora tenha sido registado a 6 de outubro de 1942, a mãe garante que a criança só nasceu a 27 desse mês.
O seu pai, Aristides da Silva, era um camponês alcoólico e analfabeto que teve 22 filhos de duas mulheres, primas entre si: Lindu, mãe de Lula, e Valdomira.
Aristide fugiu com Valdomira, aos 16 anos, da aldeia de Vargem Grande e foi para São Paulo. Lindu, deixada para trás na miséria, agarrou nas crianças e meteu-se num camião e viajou 3 mil quilómetros para Santos, onde aos cinco anos Lula já vendia tapioca e laranjas, e aí conheceu o seu pai.
Em 1956, o futuro presidente terminava a escola primária e três anos depois ganhava o título de 'torneiro mecânico', no setor da metalurgia.
Em 1960 entra para o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, tendo subido até à presidência, de onde liderou o maior movimento operário da história do Brasil, afundado nos dias difíceis da ditadura.
Marxista por convicção, em 1980 aproveita a liberdade política entretanto conquistada no Brasil e funda o Partido dos Trabalhadores, que nasceu trotskista, mas que com o passar dos anos e com Lula a render-se ao capitalismo, havia de ficar-se pelo centro-esquerda.
Com a mesma regularidade com que se disputava o campeonato do mundo de futebol, 'Lula' foi candidato presidencial em 1989, 1994, 1998 e, finalmente, em 2002, no mesmo ano em que o Brasil chegou ao 'penta' na Ásia, ganhou a corrida à Presidência do Brasil.
Em vez de descamisado e com o punho erguido a gritar 'revolução', como nas eleições anteriores, Lula apresentou-se de fato e gravata, defendendo 'paz e amor', e lembrando as suas origens para conquistar o coração dos eleitores.
A primeira grande iniciativa política foi levar os ministros para fora do gabinete, mostrando a face africana do Brasil e expondo a pobreza do interior do país: era preciso que os nascidos em berço de ouro "sentissem o cheiro da pobreza", chegou a dizer.
Com uma política económica ortodoxa, não teve praticamente oposição nos primeiros dois anos de mandato, durante os quais as suas preocupações sociais escondiam a falta de realizações políticas.
É nessa altura que é 'apanhado' no primeiro escândalo de corrupção que decapita a liderança do PT. Lula, pragmático, distancia-se do seu partido e vai a votos com o apoio do centro e direita, ganhando novamente a eleição de 2006.
O segundo mandato é suportado por uma ampla, mas dissonante coligação, o que dificulta a ação política, mas que Lula considera fazer parte da vida devido à "correlação de forças políticas".
Fora do Brasil, no virar do milénio, Lula é o homem do momento: em 2008, a "Newsweek" diz que é uma das 20 pessoas mais influentes do mundo, e em 2009 o francês "Le Monde" e o espanhol "El Pais" consideram-no 'Homem do Ano'.
Depois de deixar o poder a Dilma, Lula da Silva criou um Instituto com o seu nome e usou a sua popularidade para fazer o chamado 'circuito das palestras', muitas delas pagas por empresas que agora também estão sob investigação judicial.
Os jornais brasileiros que relatam a detenção dizem que Lula da Silva esteve tranquilo desde o princípio, e dão conta também de que as autoridades afirmaram publicamente que o antigo Presidente é "um dos principais beneficiados" do alegado esquema de corrupção entre a Petrobras e vários políticos e empresários brasileiros.
O ex-presidente foi convocado pela Polícia Federal para explicar o recebimento de favores indevidos e o montante de 7,2 milhões de euros (30 milhões de reais), destinados às empresas dele por construtoras investigadas na operação Lava Jato.
A Presidência da República ainda não se pronunciou oficialmente sobre o caso, mas a Presidente já convocou uma reunião extraordinária com os ministros José Eduardo Cardozo e Jaques Wagner, a segunda depois da divulgação, na quinta-feira, da notícia de que o senador Delcídio do Amaral teria feito um acordo com o Ministério Público em troca de redução da pena, em que comprometia o antigo e a atual Presidente.