A invasão da Ucrânia pelas tropas russas é, em parte, a resposta de Moscovo a um alargamento acelerado da NATO a Leste desde a extinção do Pacto de Varsóvia, em 1991, uma aliança liderada então pela URSS. A Rússia mostrou, desde o início, o seu desagrado e a intervenção na Geórgia, em 2008, foi apenas o primeiro sinal.
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"O apanágio das grandes potências é fazer o que querem onde querem", sublinha Lívia Franco, professora no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. "Cada país deve poder escolher as suas alianças, sejam elas a NATO ou a União Europeia. Não podemos acatar as exigências de Moscovo, que se opõe às escolhas de Kiev. Até mesmo o estatuto de neutralidade só é válido se for uma opção livre", acrescenta.
Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o desmembramento da URSS, os países membros do Pacto de Varsóvia (1955-1991) e algumas das ex-repúblicas soviéticas foram sendo integradas na NATO (ver mapa). Por pressão da Rússia, Reino Unido e EUA, a Ucrânia viu-se forçada abdicar, em 1994, das armas nucleares herdadas da URSS.
Tal como a NATO já liderou várias intervenções militares, sobretudo após o fim da Guerra Fria, também o Pacto de Varsóvia o fez durante a sua existência. O melhor exemplo será o esmagamento da Primavera de Praga, em 1968. A Checoslováquia dava sinais de querer abandonar o Pacto, mas os tanques russos invadiram a capital como sinal de força.
Regressando ao conflito em curso, o primeiro sinal de alarme poderá ter acontecido em 2008. Na cimeira de Bucareste, a NATO disse que pretendia integrar a Ucrânia e a Geórgia. "Os russos tornaram muito claro que viam esse cenário como uma ameaça existencial e traçaram uma linha vermelha", recordou o politólogo John Mearsheimer, numa entrevista dada ao "New Yorker", duas semanas antes da atual invasão. Quatro meses depois da cimeira de Bucareste, os russos invadiram a Geórgia para apoiar os separatistas da Ossétia do Sul e da Abecásia. O conflito foi curto, mas constituiu um sério aviso ao Ocidente.
Enquanto que a URSS pretendia ser uma superpotência global, a Rússia quer ter influência regional, económica e não só. Como explicou Samuel P. Huntington, na obra "O choque das civilizações", a Ucrânia é um país dividido. "A fronteira civilizacional entre o Ocidente e a ortodoxia passa, desde há séculos, em pleno coração da Ucrânia", escreveu o autor. Huntington distingue entre os ocidentais, que falam ucraniano e são nacionalistas, e os orientais, ortodoxos e maioritariamente falantes da língua russa.
"A ambição do Kremlin é recriar uma esfera de influência e negar a outros países o direito de escolherem o seu próprio caminho e, por isso, os ministros [da NATO] discutiram a necessidade de apoiar os parceiros que possam estar em risco, incluindo a Geórgia e a Bósnia-Herzegovina", referiu Jens Stoltenberg na última sexta-feira.
De quem é a culpa?
Em 2014, ano da anexação da Crimeia pelos russos, Mearsheimer disse que a culpa era do Ocidente, prevendo uma nova guerra na Ucrânia. O alargamento da NATO era e ainda é visto como uma provocação, tal como o próprio líder do Kremlin alegou há dias.
Já depois da invasão da Ucrânia, a Finlândia e a Suécia admitiram maior aproximação à NATO. Essa veleidade valeu-lhes uma ameaça direta de Putin. O clima de Guerra Fria está de volta. "Era provável desde 2014 que esta invasão acontecesse? Sim. Mas isso não deve determinar que se aceite", sublinha Lívia Franco.