"O dia sem fim" e a "luta pela sobrevivência" de mães israelitas e palestinianas após dois anos de guerra
Dois anos após os ataques do Hamas e do início da guerra em Gaza, entre os rostos que marcam o conflito estão mães dos reféns israelitas ainda detidos e mulheres palestinianas, em "luta pela sobrevivência".
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Deslocada mais de dez vezes com a família e de luto pela morte do marido e do pai. Este é o resumo da vida nos últimos dois anos de Lamis Dib, uma mulher de 31 anos da Faixa de Gaza, naquilo que descreveu como uma "luta renhida pela sobrevivência".
"É indescritível", disse à agência de notícias France-Presse (AFP) esta mãe de dois filhos, sobre a guerra ainda em curso no território palestiniano.
"Sexta-feira, 6 de outubro de 2023, véspera da guerra, foi um dia maravilhoso", lembrou a mulher, que nasceu no norte da Faixa de Gaza.
A filha mais velha, Souwar, agora com sete anos, tinha acabado de entrar no jardim de infância e o filho, Amin, tinha então três anos.
Com formação académica na área social, mas sem trabalho, Lamis Dib constava nas estatísticas de desemprego do enclave palestiniano, onde, já antes da guerra, quase metade da população em idade ativa estava desempregada, numa situação económica catastrófica, em grande parte relacionada com o bloqueio imposto por Israel desde 2007.
Casou-se em 2017 e fundou uma "família feliz" ao lado do marido, contabilista, que fazia com que "não faltasse nada" em casa, no bairro de Cheikh Radouane, na cidade de Gaza.
Aquele bairro foi um dos primeiros a ser atingido pelos bombardeamentos lançados por Israel em resposta ao ataque do movimento islamita palestiniano Hamas em 7 de outubro de 2023. A família deixou então o norte do território em direção a Khan Yunis, no sul.
"Um dos dias mais difíceis da nossa vida", confessou, ao contar a viagem pontuada por bloqueios militares.
"Uma corrida contra a morte"
No entanto, isso foi apenas o início. Até à data, Lamis Dib e os filhos foram deslocados onze vezes pela guerra.
"Cada deslocação era uma corrida contra a morte sob os bombardeamentos, era como se estivesse em piloto automático, carregava os meus filhos, apertava-os contra mim e corria, sem olhar para trás, sem saber para onde íamos", afirmou.
Quando chegavam a algum lugar, era preciso encontrar um abrigo.
"Em Rafah, durante seis meses, dormíamos 30 pessoas numa única sala, sem casa de banho (...). Havia o confinamento, os bombardeamentos incessantes, a fome, a sede, a falta de higiene, a total ausência de privacidade", contou.
No início de agosto de 2024, a explosão de um míssil matou o marido e o pai, mudando ainda mais a vida de Lamis Dib.
"Depois disso, começou uma vida esgotante. (...) Tenho de assumir o papel de pai e de mãe", prosseguiu, ao lado dos filhos.
Nos últimos tempos está a viver numa tenda em Al-Zawayda, um dos campos onde centenas de milhares de palestinianos partilham o mesmo quotidiano precário.
No final de maio, Israel flexibilizou o bloqueio humanitário imposto desde março ao enclave palestiniano, mas a ajuda internacional autorizada a entrar desde então é considerada amplamente insuficiente pela ONU e pelas organizações humanitárias.
"Tudo é difícil", resumiu Lamis Dib, entre um fogão e um reservatório de água.
"Demora três horas a preparar uma simples chaleira", acrescentou a mulher, que deixou ainda um desabafo perante um conflito no qual já morreram mais de 67 mil pessoas em Gaza: "Os nossos filhos foram privados de educação, alimentação e de uma vida normal. Só queremos um pouco de paz".
"O dia sem fim"
Com 64 anos, Silvia Cunio marca no calendário 7 de outubro de 2023 como "o dia sem fim que continua até hoje e é um pesadelo". A razão disto dura há dois anos: os filhos ainda são reféns do Hamas, em Gaza.
"Já chega, é preciso parar esta guerra", disse à AFP, esta israelita-argentina, cujo grito de raiva e desespero comoveu Israel numa noite de agosto.
Naquela noite, durante uma manifestação em Telavive pela libertação dos reféns, a mãe de David (35 anos) e Ariel (28) gritou um profundo "Basta!", que deixou a multidão em silêncio.
Durante o ataque de 7 de outubro, que desencadeou a guerra na Faixa de Gaza, 251 pessoas foram sequestradas. Entre elas, 47 ainda estão detidas em Gaza, das quais 25 foram declaradas mortas pelo exército israelita.
Nos últimos dois anos, todos os sábados à noite, dezenas de milhares de israelitas, em Telavive e em todo o país, reúnem-se para exigir o regresso dos reféns.
Quando participa nas manifestações, Silvia Cunio, que emigrou para Israel em 1986 com o marido, está rodeada pelas companheiras dos filhos, também elas ex-reféns do Hamas: Sharon Cunio, libertada com as filhas gémeas de três anos, Emma e Yuli, durante a primeira trégua em novembro de 2023, e Arbel Yehud, libertada em março de 2025 após mais de 500 dias em cativeiro.
Vestida com uma t-shirt preta com as fotos de David e Ariel, Silvia Cunio contou o dia a dia nos últimos dois anos. Da falta de sono, da dificuldade em levantar-se todas as manhãs e em realizar as tarefas diárias. No entanto, disse manter a esperança.
"Todos os dias, imagino o regresso, corro para eles e abraço-os", disse à AFP, esboçando um sorriso e confessando encontrar forças ao cuidar dos sete netos, incluindo as duas filhas de David.
"Precisam de parar de sabotar os acordos"
Ao contrário de dezenas de milhares de israelitas que passaram semanas ou mesmo meses a incorporar as forças militares de Israel como reservistas, os outros dois filhos de Silvia Cunio foram dispensados por terem irmãos reféns.
Em muitas famílias, a multiplicação dos períodos de reserva é um verdadeiro fardo, fonte de angústia por cada dia em que um companheiro, um pai ou um filho vai para a linha da frente.
De acordo com várias sondagens, uma grande maioria dos israelitas quer hoje o fim da guerra e que o regresso dos reféns seja uma prioridade.
Silvia Cunio disse confiar no exército, mas acrescentou que "tudo pode acontecer, bombardeamentos, explosões, uma bala perdida".
Já sobre o plano de paz para Gaza anunciado pelo presidente norte-americano, Donald Trump, a mãe de David e Ariel afirmou precisar de "informações concretas".
E deixou uma mensagem para o Governo israelita: "Precisam de parar de sabotar repetidamente os acordos" para a libertação dos reféns.