Um casal norte-americano está detido, acusado de maus-tratos e tortura. Louise e David Turpin matinham 13 filhos em cativeiro, alguns maiores de idade. A América, e o Mundo, tentam perceber porquê.
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Louise Anna Turpin saiu de casa algemada pela polícia. Sorria, como sorriria depois na fotografia oficial da detenção. Parecia não compreender por que razão as autoridades lhe entraram casa dentro, um domingo ao raiar do dia, e levaram dali para fora os 13 filhos, magros, sorumbáticos, alienados; três estavam acorrentados a um móvel.
A mulher "ficou perplexa" com a presença da polícia na habitação, uma vivenda no fim de uma rua sem saída de uma urbanização típica americana, com jardins cuidados (ou quase) e segredos escondidos, na localidade de Perris, a cerca de 120 quilómetros de Los Angeles, terra de luzes, brilho e cinema.
Uma das filhas, com 17 anos, pegou num telefone e denunciou a situação aos serviços de emergência. O capitão Greg Fellows, comandante da polícia de Ferris, no condado de Riverside, não se cansa de elogiar a "coragem" da adolescente, mulher franzina em corpo de criança, que permitiu a denúncia do caso.
O capitão Greg Fellows estava, 24 horas depois, também ele perplexo com "os horrores" encontrados na casa de Louise (49 anos) e David Turpin (57). Três dos 13 filhos estavam amarrados a móveis. Pareciam todos crianças; afinal, estavam tão malnutridos que os adultos, o mais velho com 29 anos, pareciam menores de idade.
Foram hospitalizados após o resgate. "É difícil vê-los como adultos. São pequenos. A malnutrição é evidente", comentou Mark Uffer, diretor do hospital de Corona, onde estão internados sete dos filhos do casal Turpin. "São simpáticos e cooperantes" com o pessoal médico, acrescenta Uffer. "Espero que a vida seja boa para eles no futuro", acrescentou.
Recuperação longa após anos de maus-tratos
Sophia Grant, diretora do programa de maus-tratos na infância do Hospital Universitário de Riverside, em Los Angeles, considera que as vítimas vão precisar de apoio psicológico e psiquiátrico durante muito tempo. "Estas crianças vão necessitar de muito apoio. A recuperação vai ser muito longa e vão precisar do apoio de muita gente", argumentou.
As mazelas parecem ser grandes e podem ter anos de enraizamento. "As crianças eram um pouco estranhas. Um pouco zombies", contou ao jornal espanhol "El País" um dos vizinhos do casal Turpin, um homem identificado como Richard Briscoe, que se lembra de ver as crianças pela última vez em novembro, a ajudar o pai a tratar do jardim.
"Não pareciam muito normais. Via-se que estavam mal cuidados", acrescentou Richard Briscoe. No bairro, muitos apelidavam a família de "vampiros", porque eram pálidos, evitavam conversas e quase só saíam à noite.
Família estava falida
Viviam naquela urbanização desde 2014. Antes tinham residido em Murrieta, uma cidade próxima, provenientes do Texas. Louise Anne cuidava da casa e David, um homem pouco sociável, dirigia um colégio privado. Antes tinha trabalhado como engenheiro numa grande empresa, com um ordenado declarado de mais de 100 mil euros por ano.
Segundo o jornal "New York Times", a família declarou insolvência em 2011, revelando dívidas que iam de 90 a 470 mil euros, maioritariamente de cartões de crédito. "As famílias numerosas tendem a desenvolver processos formais, muitas vezes rituais, para gerir as atividades diárias. É possível que, à medida que as finanças foram ficando fora de controlo, se tenham tornado mais coercivos nas suas tentativas de lidar com a situação", comentou o psicólogo forense David Canter, em declarações ao jornal britânico "Independent".
As crianças estudavam em casa, o que é legal nos EUA. Usavam roupas iguais por questões de segurança e quando saíam andavam em fila, com os pais nas pontas. "Proteger os filhos de olhos curiosos tornou-se um meio de vida", argumenta David Canter. "Com o passar do tempo, podem ter-se tornado mais desesperados e apenas capazes de controlar os descendentes com ameaças e correntes", acrescentou aquela psicólogo forense.
Os avós paternos das crianças ficaram "chocados" com as revelações. Em declarações à NBC, contaram que não visitavam os netos há cinco anos e que mantinham contacto telefónico apenas com os progenitores. "Pareciam uma boa família cristã", que ensinava passagens da Bíblia aos filhos e defendia uma educação rigorosa.
Estão os dois detidos, acusados de maus-tratos e tortura. A fiança é de nove milhões de euros. "Claramente estavam mal da cabeça", comenta o vizinho Richard, que nunca imaginou que a pouca normalidade do casal escondesse tamanha anormalidade.
Disney e casamento em Las Vegas
À porta de casa havia quatro carros, todos com matrículas personalizadas alusivas à Disney. Numa das viaturas, uma cadeira de bebé, presumivelmente para a crianças de dois anos, a mais nova dos 13 irmãos, com motivos do Mickey Mouse.
O casal tinha conta no Facebook. A família, junta, aparentemente feliz, em fotos e vídeos. Dois destes do casamento de Louise e David, por duas vezes, em 2013 e 2015, aparentemente na mesma capela de Elvis, em Las Vegas.
A NBC falou com Kent Ripley, o imitador de Elvis, que recebeu o casal e a vasta prole Turpin. "Não parecia mais que uma família grande, que viajava junta e estava sempre junta, que fazia tudo junta".