A comunidade portuguesa a viver em Hong Kong começa a sentir na pele os confrontos violentos que se vivem na região desde esta segunda-feira. Os protestos que duram há vários meses parecem não ter fim: há universidades barricadas pela polícia, escolas fechadas e pessoas retidas nas próprias casas.
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Susana vive com o marido e os dois filhos em Hong Kong há cinco anos. A engenheira lisboeta já assistiu a alguns protestos na região, mas nada se assemelha ao que está a acontecer agora. "Sabia-se onde iam acontecer os protestos e era uma questão de evitar essas áreas", adianta ao JN. Atualmente, a situação é muito mais caótica. Os filhos estão em casa desde terça-feira, não há previsão de quando recomecem as aulas e termine o caos nas ruas.
O perigo parece estar sempre à porta com "a polícia a usar gás lacrimogéneo como se fosse inseticida", explica a portuguesa de 42 anos. "Hong Kong era mais seguro do que Lisboa. Já não é."
Segunda-feira, 11 de novembro de 2019. Talvez tenha sido este um dos pontos de viragem de uma longa caminhada de manifestações. Os confrontos tornaram-se mais violentos: um jovem de 21 anos foi baleado por um polícia de trânsito e um homem de 57 anos foi incendiado durante uma discussão política.
Um estudante foi encontrado inanimado a 4 de novembro após alegadamente ter caído de um prédio durante um protesto. Faleceu dias mais tarde no hospital. Algumas testemunhas afirmam que Chow Tsz-lok, de 22 anos, estaria a fugir das autoridades que atiravam gás lacrimogéneo. Imagens de videovigilância mostram a polícia a lançar granadas nas imediações do prédio.
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"Os protestos tinham hora e dia marcados", explica Renata Almeida, outra portuguesa a residir em Hong Kong, desde dezembro de 2018. Quem se mantinha à parte das manifestações conseguia evitar as áreas de protesto, consultando grupos nas redes sociais. Os ajuntamentos tornaram-se, porém, muito mais espontâneos e espalharam-se por vários locais.
Os constrangimentos no dia a dia são palpáveis: o metro de Hong Kong há muito que deixou de funcionar eficazmente. "A oferta de transportes é muito limitada, tanto os autocarros como o metro", explica a também explicadora de língua portuguesa, de 40 anos. "Os mercados, os restaurantes e vários locais estão fechados. Mas nós temos de continuar com a nossa vida."
Ninguém quer escolher lado
Guilherme Hortinha, de 20 anos, regressou há pouco tempo daquela região administrativa especial da China. O português frequentava um programa de intercâmbio estudantil. Agora em Londres, Guilherme não consegue desligar das imagens de vandalismo que viu um pouco por toda a parte. "Pedras arrancadas do chão, restos de barricadas, grafitis nas paredes", descreve o jovem ao JN.
A região vibrante de há tempos parece ter deixado de existir. "O caráter de Hong Kong era composto por uma atmosfera algo eletrizante", recorda Francisco Mota Alves, a viver há um ano em Hong Kong. Agora só se reconhece a tensão. Na quinta-feira, manifestantes enclausuraram-se na Universidade Chinesa, protegidos com barricadas e bombas artesanais. Na Universidade Politécnica, outros tantos permaneciam barricados.
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Durante a noite, os tumultos não terminam. Várias pessoas vão às varandas e gritam "Libertem Hong Kong" e o som ecoa pelas ruas. "As pessoas acreditam que esta é a última vez que podem lutar pelos seus direitos, pois se perdem esta batalha, perdem quaisquer esperanças de uma Hong Kong mais democrática", revela Guilherme Hortinha.
O estudante adianta que vários amigos estão a ser aconselhados a abandonar a região e a voltar aos seus países de origem. "Há faculdades que até estão a pagar voos em classes económica aos alunos para saírem de lá", diz.
O presidente chinês, Xi Jinping, comparou na quinta-feira os protestos a "atividades ilegais violentas" que colocam em causa a unidade da China. No entanto, nenhum dos portugueses ouvidos pelo JN quer escolher lados: dos manifestantes, da polícia, ou do governo.