Quando avançam sanções às elites russas, offshores são buracos na estratégia europeia. O tema estará em cima da mesa do Parlamento Europeu (PE) quando, terça-feira, analisará o pacote de sanções.
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A União Europeia (UE) já tem à sua disposição mecanismos para exigir aos paraísos fiscais informação complementar sobre titulares da lista de sancionados, sob pena de ficarem classificados como "não cooperantes". Economistas estimavam, há três anos, que mais de metade do rendimento gerado anualmente na Rússia ia para esses paraísos.
Em foco no plenário dos eurodeputados, marcado para Bruxelas, estarão também as resistências em função de interesses nacionais e os pedidos de exceção nas sanções, como o da Itália para os bens de luxo.
Quando as elites russas têm uma parte significativa da sua riqueza no estrangeiro, nomeadamente em offshores, há uma corrente que vem reclamando a concretização imediata de medidas junto desses paraísos fiscais, até para que as sanções financeiras aplicadas à Rússia devido à invasão da Ucrânia tenham eficácia.
Criação de um registo
Atento a esta questão dos paraísos fiscais, o eurodeputado José Gusmão, que, no PE faz parte do Grupo da Esquerda (GUE/NGL) e foi eleito pelo Bloco, referiu ao JN que tem sido discutida por economistas como Zucman, diretor do Observatório Fiscal da UE ou Thomas Piketty, especialista em desigualdades, a criação de um sistema de registo financeiro internacional.
Visa permitir às autoridades públicas identificar quem detém os ativos, quais e em que territórios. "Seria útil para aplicar sanções que atinjam oligarcas e, sobretudo, para combater de forma mais consequente a lavagem de dinheiro", diz o eurodeputado. Está ciente das resistências quando até Piketty referiu recentemente que não há progressos, porque "as elites ricas ocidentais temem que a transparência acabe por prejudicá-las." Afirmou mesmo que pouco separa a origem das fortunas dos milionários russos das dos europeus ou norte-americanos.
Para José Gusmão, condicionar o regime de sanções a interesses nacionais é transformá-lo "num queijo suíço". Lembra que a UE tem poderes, ao abrigo da legislação existente, para "exigir a todos os paraísos fiscais informação complementar sobre os titulares da sua lista de sancionados". Sejam ou não paraísos na UE. Nota que evitam recusar para não ficarem na lista de não cooperantes. Sem medidas urgentes para offshores, prevê que esta prática aumente rapidamente com o conflito. E critica o "regime de sanções a oligarcas russos com alçapões e buracos".
Pormenores
54,5% do rendimento gerado anualmente na Rússia é colocado em paraísos fiscais, segundo um estudo de junho de 2018 dos economistas Gabriel Zucman, Annette Alstadsater e Niels Johannesen, sendo o quarto país do mundo com maior percentagem do rendimento nestes territórios. Tendência acentuada entre os mais ricos.
Quem mais resiste
Paraísos fiscais e segredo financeiro são dimensões que coexistem, nota José Gusmão. Da resistência a novas medidas, destaca, no primeiro caso, a Suíça e, no segundo, a Holanda e o Luxemburgo.
Luxo e SWIFT
O conhecido consultor Christopher Wylie lembrou, no Twitter, que a Itália queria excluir as exportações dos seus bens de luxo das sanções contra a Rússia. Quanto à exclusão deste país do sistema SWIFT, a Alemanha foi a principal opositora, mas a medida vai avançar.