A um mês da saída britânica do bloco comunitário mantêm-se as dúvidas sobre um acordo harmonioso.
Corpo do artigo
Faltam apenas 32 dias para o Reino Unido deixar de vez o mercado único e a união aduaneira da União Europeia. Porém, é preciso que ambas as partes cheguem a um acordo sobre a lei de comércio e segurança pós-Brexit, mas a solução para o imbróglio parece estar longe de ser acordada. Em causa está a dificuldade de as duas partes chegarem a um consenso relativamente ao controlo das fronteiras, às zonas de pesca e às políticas de subsídios estatais. A falta de entendimento poderá ditar o futuro das relações entre Bruxelas e Londres.
A incerteza de haver acordo a 31 de dezembro e a discórdia entre a União Europeia (UE) e o Reino Unido sobre o controlo das fronteiras já lançou o pânico nas empresas britânicas. Com apenas um mês, muitas foram as que iniciaram a corrida ao armazenamento de mercadorias para se anteciparem aos controlos alfandegários pós-Brexit. Isto porque Londres tinha concordado que a Irlanda do Norte seguiria as regras da UE sobre produtos, no caso de não haver acordo comercial, para evitar uma fronteira física com a Irlanda, uma vez que esta prejudicaria o acordo de paz que encerrou o conflito na região, em 1998. Contudo, em setembro, Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, decidiu, unilateralmente, alterar o Acordo de Saída com a criação de legislação que permite mexer no tratado assinado com Bruxelas.
As possíveis alterações poderão afetar as cadeias de abastecimento de toda a Europa, comprometendo as rotas de comércio. Por isso, o bloco comunitário continua a insistir que não será possível chegar a um acordo se o Governo de Londres não desistir das cláusulas do projeto de lei apresentado por Johnson.
Por outro lado, David Frost, negociador britânico para o Brexit, afirmou que, para haver acordo, "deverá ser respeitada a soberania do Reino Unido", o que inclui o "controlo das fronteiras".
Chegar a um consenso nesta matéria será fundamental para a chegada a um acordo para o pós-Brexit, mas há também outras questões que têm levantado sérias barreiras ao entendimento.
Dividir os peixes pelos lados
O Reino Unido quer deixar a política comum de pesca e retomar o controlo da sua zona económica exclusiva: 200 milhas náuticas (cerca de 340 quilómetros) e, ainda, adotar um sistema de fixação que dividiria as espécies entre os dois lados segundo a localização do pescado, em vez da divisão atual, com base em padrões fixos de pesca. Além disso, Londres quer negociações anuais sobre quais as frotas pesqueiras europeias que poderão navegar naquelas águas.
Bruxelas não quer dar o braço a torcer quanto às negociações anuais e insiste que esta condição não oferece segurança às comunidades costeiras. A isto, acrescenta-se o facto de a UE querer manter os ganhos britânicos em cerca de 15% a 18% a mais do que o que tem atualmente.
Os barcos da UE capturam cerca de 650 milhões de euros em peixe da zona económica do Reino Unido, quase cinco vezes mais do que os barcos britânicos pescam nas águas da UE. Argumento que fundamenta a insistência de Londres em querer que qualquer acordo sobre pesca reconheça a realidade do Reino Unido como um estado costeiro independente.
Como se não fossem suficientes estes dois temas, ambas as partes não cedem no que toca às políticas de subsídios "domésticos" - e o Parlamento britânico não quer que Bruxelas tenha qualquer tipo de poder na legislação nacional.
Na declaração política sobre o relacionamento futuro, os dois lados comprometeram-se a "defender os padrões comuns" no Reino Unido e na UE "no final do período de transição [31 de dezembro] em áreas como os auxílios estatais, a concorrência, os padrões sociais, o emprego, o ambiente, as alterações climáticas e as questões fiscais relevantes".
Padrões comuns em questão
O Reino Unido concordou com a "não regressão" nestas matérias, mas não quer que a legislação da UE seja a linha de base. Já a União Europeia quer encontrar forma de garantir que se, ao longo do tempo, um dos lados do acordo desenvolver os padrões comuns, o outro lado enfrenta consequências caso opte por não seguir regulamentos semelhantes.
A guerra continua entre as duas forças e nenhuma parece querer levantar a bandeira branca negocial. Caso não se consigam entender, a 1 de janeiro de 2021, o Reino Unido e Bruxelas passarão a negociar com base nas regulamentações genéricas, e menos vantajosas, da Organização Mundial do Comércio. v