Maria, nome fictício, tinha 17 anos quando foi abusada sexualmente por um padre que viu apenas uma vez. "Nunca tinha estado com ele, mas nunca pensei que um padre pudesse fazer uma coisa daquelas", recorda, sobre o episódio que manteve em segredo durante 22 anos. Quando ganhou coragem para denunciar à Comissão Diocesana, admite que esperava mais apoio e diz que foi apenas na Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais que se sentiu acolhida. Criou o site "Coração Silenciado" para que nenhuma vítima se sinta sozinha.
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Corria o ano de 1997, quando Maria estava numa congregação religiosa para ser freira e começou a fazer uma formação semanal com um padre que não tinha ligação a esta instituição. "Miúda alegre e ativa", como se descreve na altura, nunca imaginou que acontecesse o que ainda hoje tem dificuldade em descrever. "Na hora de almoço, fui ter com o padre e pedi-lhe para me confessar e ele disse que era melhor encontrarmo-nos no final do dia da formação. E foi aí que isso aconteceu. Não esperava, muito menos vindo de um padre. Ainda por cima era jovem e bem parecido, uma pessoa bem formada".
Há três anos, conseguiu libertar-se de "um fardo" que carregou durante mais de duas décadas. "Já não aguentava mais viver com aquele segredo, estava a prejudicar-me há muitos anos". Decidiu denunciar, mas, admite, "se soubesse o que estava à minha espera não o tinha feito". "As pessoas que estão nas comissões diocesanas acabam por aumentar o nosso sofrimento quando vamos lá para tentar suavizá-lo e para que não haja futuras vítimas. Parecia que estavam a interrogar o culpado", lamenta, apelando ainda assim à denúncia. "Não serão todas assim, as pessoas devem denunciar".
"atualização da lei"
Neste processo "difícil", muitas vezes não se sentiu compreendida. "Não é fácil contarmos que fomos abusados porque não compreendem e questionam porque só nos lembramos de falar agora se já passou tanto tempo. As pessoas que estão nas comissões diocesanas também têm de ser muito mais humanas e compreensivas. Nem todas estão preparadas para lidar com vítimas de abusos na igreja", partilha. A Comissão Independente, admite, "foi o único sítio onde me senti acolhida".
O crime, como a maioria daqueles que foram denunciados no último ano, já prescreveu e Maria apela, por isso, à "atualização da lei". "Este tipo de crimes não devia prescrever porque o nosso sofrimento não prescreve. Na maioria das vezes, não temos capacidade de denunciar dentro do tempo limite porque é uma coisa que cria em nós imensos medos, sobretudo porque é uma instituição que tem imenso poder e aquilo que sempre fez foi encobrir ou mudar o pároco de paróquia". Com dois processos, civil e canónico - que já chegou a Roma -, a decorrer, espera que o padre, que ainda está em funções, seja pelo menos investigado. "A espera é flagrante".