Professor de escola de Fafe deu como exemplo militantes do Chega. Pai de aluno gravou e publicou nas redes, o que é ilegal. Escola abriu inquérito.
Corpo do artigo
Um pai gravou parte de uma aula e divulgou-a nas redes sociais, aparentemente por discordar do exemplo que estava a ser dado pelo professor de História, que, a propósito do ressurgimento dos movimentos extremistas, deu como exemplo a adesão de militantes neonazis ao Chega. O partido questionou a Escola Professor Carlos Teixeira, em Fafe, que decidiu abrir um inquérito. Mas a história não acaba aqui. Associações de diretores e de pais e sindicatos de professores defendem que a divulgação de imagens de uma aula, sem a autorização dos participantes, é ilegal e deve dar origem a processo judicial.
O presidente da Associação de Diretores (ANDAEP), dirigentes sindicais e o líder da Confederação de Pais (Confap) condenam de forma unânime o gesto que garantem ser ilegal e passível de queixa judicial contra o pai.
"Uma aula, mesmo online, não é um momento ou espaço público. Não pode ser publicada ou divulgada. Está protegida por direitos de reserva da imagem privada de professores e alunos, especialmente menores. Portanto, evidentemente que não é legal", frisa Mário Nogueira. Para o líder da Fenprof, o docente pode e deve apresentar queixa contra o pai.
O direito à imagem é protegido por um conjunto de preceitos legais do Código do Trabalho e do Código Penal, garante Júlia Azevedo, presidente do Sindicato Independente dos Professores e Educadores. O departamento jurídico do SIPE está, aliás, a avaliar se irá apresentar queixa junto da Inspeção-Geral de Educação por causa de casos reportados pelos docentes. "Há aulas com visualizações no Brasil. Alunos que se mascaram, invertem as imagens ou dizem asneiras. E há desabafos sobre a intervenção de pais", explica Júlia Azevedo, dando um exemplo: "Numa turma de 1.º ano, com pais a assistir por os alunos serem muito pequenos, uma mãe chamou "burra" a uma menina que não identificou uma letra, o que gerou uma discussão entre os encarregados de educação".
"Não acabaram os nazis"
Por enquanto, a aula de História a uma turma de 7.º ano da Escola Professor Carlos Teixeira, só deu origem a uma queixa do Chega. No excerto divulgado nas redes sociais, o professor diz que "alguns membros" do partido de André Ventura "são neonazis", para exemplificar aos alunos que o movimento nazi ainda persiste.
"Alguns membros do Chega são neonazis. Fazem parte de um antigo partido, o Partido Nacional Renovador (...) Não é política o que eu estou a fazer na aula, é só para vos fazer ver como há neonazis hoje em dia, na Europa e no Mundo. Não acabaram os nazis", diz o docente no excerto divulgado.
A escola abriu um inquérito, depois da associação de pais ter enviado uma nota à direção, dando conta de duas preocupações: o discurso do professor "alegadamente menos próprio em contexto de sala de aula"; e o facto de um pai ter "invadido uma sala de aula online, filmando partes e postando-as nas redes sociais sem a devida autorização".
Mário Nogueira e Filinto Lima, presidente da ANDAEP, frisam que um inquérito não é um processo disciplinar. "É apenas para averiguar a situação", explica o diretor.
Filinto Lima sublinha que muitas escolas aprovaram códigos de conduta, assinados pelos pais, que incluem regras como a obrigatoriedade das câmaras estarem ligadas, mas também a proibição de gravação e divulgação das aulas. Os alunos que o façam, explica, estão sujeitos às sanções previstas no Estatuto do Aluno. Podem ter falta ou ser suspensos. Se for um pai, "o caso deve ser tratado na barra do tribunal", defende o dirigente.
"Temos de respeitar a privacidade de uma aula. Os pais têm de perceber que não podem fazer gravações sem consentimento e invadir as aulas", critica Jorge Ascenção, líder da Confap.
Chega
Vídeo chegou ao partido, que questionou escola
O vídeo de 26 segundos foi enviado para a estrutura local do Chega, em Fafe, que enviou um pedido de esclarecimento à escola. "Este tipo de declarações, para além de descabidas e falsas, são insultuosas e encerram uma crítica velada a todos aqueles que se identificam e simpatizam com o partido", refere a Comissão Política, em comunicado. Apesar de serem conhecidos vários casos de militantes e até dirigentes do Chega que pertenceram a movimentos neonazis, o núcleo de Fafe acrescenta que não se identifica com "fascismo nem racismo, muito menos com o partido nazi e os seus ideais ".
Saber mais
Proibido divulgar
A Resolução do Conselho de Ministros (de julho relativa à organização do ano letivo) e um parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados sobre o ensino à distância prevê que os professores possam exigir aos alunos que tenham as câmaras sempre ligadas "mas não pode haver divulgação de imagens".
PJ deteve "hacker"
Em abril, um jovem de 20 anos invadiu e divulgou diversas aulas de diferentes escolas. O "hacker" entrava e perturbava o decorrer das sessões, que depois divulgava para ridicularizar professores e alunos. Os vídeos ultrapassaram as 100 mil visualizações. Em poucos dias, o jovem foi identificado pela Polícia Judiciária. Acabou por apagar todas as contas usadas para piratear as aulas.