Com o contacto "ao vivo e a cores" condicionado devido à pandemia, o palco das redes sociais assume um papel de maior destaque, com os candidatos à Presidência da República a apostarem no digital e a explorarem, mais do que nunca, o terreno muito fértil e bem real da Internet. Na eleição mais concorrida de sempre no digital, as milhares de interações geradas todos os dias entre políticos e eleitores poderá não se traduzir numa maior afluência às urnas.
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Comparada com eleições anteriores, "esta é provavelmente a campanha em que mais se nota o peso das redes sociais. Não necessariamente refletido depois nos votos, mas na comunicação", garante ao JN José Moreno, um dos responsáveis pelo barómetro "Presidenciais 2021 nas Redes" do MediaLab do ISCTE, que analisa o desempenho dos candidatos às eleições presidenciais nas três principais redes sociais em Portugal: Facebook, Instagram e Twitter.
O esforço digital das candidaturas é evidente e faz parte da "preparação prévia da campanha, independentemente do contexto no qual nos encontramos", lembra Rita Figueira, professora e investigadora da Universidade Católica Portuguesa (UCP). Ainda assim, a especialista em comunicação política não descura a importância das ações de rua durante a campanha eleitoral, mais limitadas agora por causa das restrições impostas pela covid-19.
"A rua servia para o contacto direto que tem importância sobretudo para as pessoas daquele local. É a possibilidade de ver o candidato de corpo inteiro, ao vivo, ouvir a sua voz e ver como é que ele interage. Além disso, também tinha a função de alimentar a atenção sobre o tema nos órgãos de comunicação social e, eventualmente, de mobilizar para o ato eleitoral. A presença no terreno era importante para fornecer informação aos jornalistas", explica a docente universitária.
Apesar de a campanha continuar a ser feita com uma comitiva de jornalistas a acompanhar os candidatos nos 14 dias que antecedem o ato eleitoral, Rita Figueiras admite que as redes sociais servem também para "alimentar as redações", uma vez que os candidatos usam a Internet para fornecer declarações aos jornalistas. Além disso, podem ser encaradas como uma estratégia para "reforçar os apoiantes e mobilizá-los para não desistirem de votar".
Quem mais ganha no digital
O empenho dos candidatos nas redes sociais é visível, nem todos estão ao mesmo nível. A exceção clara é Marcelo Rebelo de Sousa, atual presidente da República, que não tem conta oficial em nenhuma plataforma. O candidato a um segundo mandato surge nas redes sociais através de contas de apoio com muitos milhares de seguidores, e navega na Internet à boleia de outros candidatos que o mencionam em publicações ou de notícias partilhadas pelos órgãos de comunicação social.
"Os candidatos mais "antigos" estão habituados a um sistema de comunicação política que tende a privilegiar os tradicionais meios de comunicação social. Marcelo Rebelo de Sousa é o melhor exemplo", explica José Moreno.
Na opinião do investigador do ISCTE, a ausência do atual presidente da República das redes sociais é explicada por dois motivos. "O candidato Marcelo Rebelo de Sousa não precisa das redes sociais porque sabe que está eleito à partida, mas também sabe, como qualquer político, que as redes sociais são um terreno fértil de polémica, de comentários que não são agradáveis e de confrontações que às vezes não são desejadas".
No outro extremo da aparição online, André Ventura é o candidato que mais interações suscita e um dos que mais se dedica ao palco digital. É um dos políticos mais assíduos e consistentes nas redes sociais, o que lhe permitiu construir uma comunidade vasta sobretudo no Facebook. Na rede social ainda dominante em Portugal, o líder do partido Chega reúne, desde julho de 2019, mais de 145 mil seguidores. "O domínio de André Ventura no Facebook é avassalador porque a página dele já tinha muitos seguidores e interações antes, e portanto continua a ter agora. O mesmo acontece com Marisa Matias tanto no Instagram como no Twitter e de Ana Gomes no Twitter", explica José Moreno.
O investigador do ISCTE considera que o candidato apoiado pelo Chega é o que "aproveita melhor" o algoritmo das redes sociais, que privilegia a "polarização, a discussão e o debate". "Os candidatos com ideias mais radicais e de ideologia mais acentuada tendem a ser mais comentados. A rede social é muito movida pela polémica. As informações que geram rejeição ou identificação aparecem mais na "timeline" das pessoas", complementa Sérgio Denicoli, investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho.
Comunicação social potencia interações
Se por um lado há um aproveitamento explícito das redes sociais por parte dos candidatos, os milhares de interações geradas pelos internautas nas redes são provocadas, em grande parte, pelas notícias difundidas pela comunicação social. "As redes sociais juntaram-se à televisão. Não estão a rivalizar, nem estamos a observar um trânsito. O que acontece é uma acumulação onde ambas se alimentam mutuamente", considera Rita Figueiras.
Na opinião da professora universitária, a televisão continua a ser "o meio de comunicação que mais capacidade tem de alcançar mais pessoas em simultâneo". Visão partilhada por António Costa Pinto, que atribui à televisão o "maior meio de mobilização eleitoral". O politólogo justifica que "a quantidade de debates televisivos que aconteceram numa eleição onde o presidente concorre a um segundo mandato é quase inédita", o que prova a força que a televisão continua a ter junto do eleitorado.
Na análise feita pelo barómetro "Presidenciais 2021 nas Redes", José Moreno confirma que na semana antes dos debates televisivos, "as redes estavam calmas, mas as interações dispararam a partir daí". O que significa que o que é dito nos meios de comunicação pelos candidatos provoca milhares de reações online e vice-versa.
"É o que se chama de segundo ecrã. O primeiro ecrã é o ecrã televisivo. O segundo ecrã é o das redes sociais, onde as pessoas expõem a versão delas e interpretam o que viram", aponta Sérgio Denicoli.
Da televisão para a Internet e novamente para a televisão
Uma das situações que melhor descreve o ciclo de "ação-reação" entre o que é transmitido nos órgãos de comunicação social e o efeito que produz nas redes sociais é a mediática ação #vermelhoemBelem, expressão criada por Marisa Matias em resposta a um insulto de André Ventura num comício.
O líder do Chega acusou a bloquista de "não estar muito bem em termos de imagem", frisando "os lábios muito vermelhos". O ataque de Ventura não tardou a ter resposta de Marisa Matias que publicou, no Twitter, uma fotografia com os lábios pintados de vermelho com a "hashtag" #vermelhoemBelem.
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A reação da candidata levou centenas de pessoas, homens e mulheres, a pôr batom vermelho em sinal de protesto, sinal claro de que a comunicação do deputado falhou contra o próprio. Da música à política foram muitas as figuras públicas e personalidades que se insurgiram contra os insultos de André Ventura e também a candidata presidencial Ana Gomes pintou os lábios de vermelho em "solidariedade" com a concorrente bloquista.
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De acordo com os dados apurados pelo barómetro "Presidenciais 2021 nas Redes", o movimento foi "esmagador, prolongando-se desde o final do dia 14 e por todo o dia 15" de janeiro. Na sexta-feira, dia 15, foram publicados mais de 19 mil "tweets" com a hashtag #vermelhoemBelem e o tema dominou ainda o Instagram e o Facebook.
O apoio viral à candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda tornou-se um grito contra o facismo e o machismo e, após ter arrebatado as redes sociais, voltou novamente a ser tema na comunicação social devido ao alcance que conquistou. "É um sistema solar que é feito de redes, plataformas, sites, canais de televisão, jornais, estações de rádio, onde todos se veem e se alimentam uns aos outros", salienta Rita Figueiras, professora da UCP.
Redes sociais influenciam?
As plataformas digitais passaram a ser um palco inevitável durante a campanha eleitoral, mas será que as interações geradas online influenciam os eleitores? Sérgio Denicoli acredita que "parte da população vai formar opinião sobre o voto através das redes sociais" porque mesmo quem não tem acesso ao alucinante fluxo online pode ser influenciado por alguém que conhece. "As pessoas são muito influenciadas por amigos ou pessoas que seguem nas redes porque confiam nessas pessoas. Muitas vezes, a interpretação dessas pessoas acaba por ter um peso maior do que aquilo que o próprio candidato falou", esclarece o investigador da Universidade do Minho.
Rita Figueiras também reconhece que a influência pessoal confere "uma estância de confiança e credibilidade à informação" porque baixa a guarda do crivo crítico e pode ser perigosa para a proliferação de "fake news", que deve ser combatida também pelos meios de comunicação social.
A especialista em comunicação política enfatiza que com a quantidade de oferta que existe em múltiplas plataformas, só poderá estar excluído "quem estiver ativamente a evitar" ouvir falar sobre o tema. Desde os programas de televisão aos podcasts, passando pelos jornais ou revistas, "os políticos estão disponíveis para estar em todos os circuitos" que trabalham de forma diferenciada e se adaptam aos mais variados públicos.
Maior presença online não significa mais votos
Ainda assim não é certo que haja uma ligação direta entre o maior envolvimento dos eleitores nas redes e a ida efetiva às urnas. José Moreno explica ao JN que na análise feita em anteriores eleições, essa correlação não foi possível de estabelecer. "Para já é uma incógnita. O que nos parece é que as redes sociais estão a ter uma presença maior nestas eleições do que tinham em eleições anteriores. Se se vai refletir em influência no voto não sabemos", conclui o investigador.
José Moreno justifica que é "fácil fazer um like numa publicação, não é tão fácil sair de casa e pensar em quem se vai votar e meter um voto" porque é um ato mais racional e mais refletido do que aquilo que é feito online.
"Não terão um nível de influência muito mais significativo do que tiveram em anteriores eleições", considera António Costa Pinto. O politólogo avisa que a abstenção "tenderá claramente a aumentar", quer devido à candidatura do atual presidente a um segundo mandato, o que torna a vitória esperada, quer devido às condições impostas pela pandemia.
E por ser previsível uma taxa de abstenção elevada, Costa Pinto faz uma ressalva: "Quando as taxas de abstenção são muito altas, é um núcleo mais próximo da vida política que tende a votar, que é muito mais sensível à comunicação social e às redes sociais. Se a taxa de abstenção for de 75%, ou seja, a taxa de participação for de 25%, é absolutamente inegável que esses 25% tenderão a ser os mais mobilizados e os que têm maior participação nas redes sociais e na comunicação social".
Candidatos nas redes
Ana Gomes
A eurodeputada é líder isolada no Twitter, ao qual aderiu em agosto de 2012. Apesar desta rede social não ter o impacto que tem noutros países, Ana Gomes capta aqui mais de 108 mil seguidores.
André Ventura
O líder do Chega é o que reúne mais apoiantes na rede social dominante em Portugal. O deputado tem mais de 145 mil seguidores no Facebook e é o candidato que suscita mais interações.
João Ferreira
Apesar de o candidato apoiado pelo PCP já ter conta em algumas redes sociais, em setembro de 2020 lançou páginas exclusivas para a campanha eleitoral.
Marisa Matias
A candidata bloquista tem uma presença contínua e já cimentada nas redes sociais. No Instagram, rede habitada sobretudo pelos mais jovens, é a candidata com mais seguidores.
Marcelo Rebelo de Sousa
Apesar de várias páginas de apoio, nomeadamente no Facebook, o atual presidente da República não tem conta oficial nas redes sociais.
Tiago Mayan Gonçalves
O candidato apoiado pela Iniciativa Liberal só tem páginas oficiais para a campanha eleitoral, criadas em julho de 2020.
Vitorino Silva
O candidato, apoiado pelo RIR, também está presente nas redes sociais e tem na sua conta de Facebook um dos vídeos mais vistos da campanha com mais de 220 mil visualizações.