Aos 29 anos, Ana Patrícia Duarte acabou ligada a um ventilador numa cama dos Cuidados Intensivos quase sem dar por isso. É enfermeira e corria o dia 4 de maio quando decidiu ir às urgências do Hospital Santo António, mesmo tendo sido aconselhada a não o fazer.
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"A Linha SNS 24 não considerou urgente. Mas tinha muita tosse seca e ficava cansada muito depressa", conta. Conduziu sozinha até ao hospital e, naquele dia, o teste à covid-19 deu positivo. Ia ficar internada em Infeciologia, mas num ápice acabou nos Cuidados Intensivos. É fintada pela memória, não se lembra de nada. "Sentia alguma falta de ar, mas não ao ponto de ficar ligada ao ventilador. Contaram-me que piorei muito de tarde e que me induziram o coma".
Esteve 15 dias ligada às máquinas e, pelo meio, ainda foi transferida. "Quando acordei, fiquei em choque. Estava junto à janela e apercebi-me que estava no hospital São João", relata. Foi a 19 de maio, mas a jornada de Ana estava longe de acabar. "Acordei com uma traqueostomia, ligada ao ventilador. Não falava e estava sem força no corpo, só conseguia mexer as mãos e com dificuldade. Tive medo, pensei no pior". Só ao terceiro dia depois de acordar conseguiu ver o pai através de uma videochamada. Não entendeu logo porque não viu a mãe e o irmão. Eles também estavam internados devido à covid-19, mas nos cuidados intermédios. "Não ter visitas foi o que mais me custou. Só via os olhos dos médicos e assistir ao cenário à minha volta não era fácil".
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Ainda voltou ao Santo António, quando já falava e tomava banho sozinha. Mas o fim daquele pesadelo continuava distante. Dali, foi para o Centro de Reabilitação do Norte (CRN). "Para trabalhar a parte motora, fiz terapia da fala para reaprender a comer, e terapia ocupacional". Ali, estava num quarto sozinha, só saía para o ginásio e para as terapias. "Estava sempre fechada no quarto, senti-me sozinha". Quase dois meses depois de ter entrado na urgência do Santo António, a 19 de junho, voltou a casa.
"Dentro do mau, até foi bom. Recuperei mais rápido do que estava à espera", confessa. Tem-se sentido bem, continua a ser seguida. Ana, que entretanto completou 30 anos, já voltou ao trabalho, mas ainda vive com receios. "Olho para o desconfinamento e percebo que as pessoas não tiveram ninguém próximo a ficar no estado em que fiquei, percebo que as pessoas não sabem o que isto é. Estão a ser demasiado brandas. Hoje, sei que há muitos casos de pessoas jovens, sem antecedentes, a ficar mal. Sou saudável, não fumo, pratico exercício. Foi uma surpresa ficar tão mal e tão rápido, até para os médicos", conclui.