A médica Vera Resende praticava BTT, ténis e até corria meias maratonas. Agora tem vários problemas de saúde.
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Nunca leu o seu processo, embora seja médica ortopedista no hospital da Feira. Vera Resende tem 37 anos, foi a doente mais jovem a passar pelos Cuidados Intensivos ali devido à covid-19. Aquela semana é "como se fosse uma névoa". Antes da pandemia, praticava BTT, ténis, corria meias maratonas, não bebia álcool nem fumava. E hoje teme as mazelas de um vírus ingrato que a fez sentir a "injustiça" na pele.
"Os meus sintomas começaram na Páscoa. Tinha feito urgência no domingo anterior e operei um doente infetado. Na altura, os equipamentos de proteção não eram os ideais", relata. Primeiro, foram as dores de cabeça, depois a perda do "cheiro e do paladar". Nunca teve tosse nem falta de ar, mas a febre levou-a a fazer o teste. O resultado positivo chegou na sexta-feira. E o caminho foi "penoso". Ficou em casa e poucos dias depois viu-se forçada a ir ao hospital de onde não voltou a sair. Ficou logo internada nos Cuidados Intensivos, com uma pneumonia bilateral extensa, "anemia e oxigénio baixo no sangue".
Vera esteve sempre consciente, mas não se lembra de todos os dias de uma semana em que tudo "apitava à volta", em que "era impossível dormir". Lembra-se dos olhares preocupados dos colegas que a trataram e das dores. "Uma dor de cabeça como nunca tive na vida", diz. Depois de sair dos Cuidados Intensivos, ainda esteve uma semana internada. "Mas só me caiu a ficha quando pus a chave na porta de casa para entrar. Aí tive noção que poderia não estar ali". A recuperação foi dura. "Tinha que estar sozinha e não conseguia chegar da cozinha à casa de banho sem ter que parar. Continuava a acordar a meio da noite em alerta. Custou muito. Fui muito debilitada". Esteve um mês infetada em casa. Viu a mãe chorar a partir da varanda.
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Agora, evita sair de casa. Cria-lhe "uma ansiedade enorme, por ver as pessoas em grupos sem proteção. Estão a esquecer muito rápido. E isto pode causar muita mossa, mesmo a quem acha que não lhe calha". A pneumonia já sarou, mas "o pulmão ainda não respira bem". "Tenho medo das mazelas, eu que sempre fiz tudo para ser o mais saudável possível. É um vírus injusto".
Tem uma personal trainer para ajudar na reabilitação cardiorrespiratória. "Mas as alterações não foram só respiratórias. Fiquei com distúrbio de sono, anemia, alterações hepáticas, com aumento do risco de AVC. O vírus afeta muitos sistemas, o hematológico, o cardíaco, o neurológico". Ainda não tem capacidade de concentração nem memória, está a tentar acabar o doutoramento, mas o cansaço não lhe traz produtividade. "Sinto que ainda não sou eu. Nunca me imaginei a passar por isto". Só regressa em setembro ao trabalho.