A Associação Nacional de Cuidadores Informais (ANCI) concentrou-se, esta quinta-feira de manhã, em frente à Assembleia da República pelo cumprimento das medidas de apoio prometidas em janeiro deste ano no Decreto Regulamentar do Estatuto do Cuidador Informal. Entre estas encontram-se a concretização das medidas de conciliação do trabalho e família e a gratuitidade do descanso a todos os cuidadores, medidas que apontam como fundamentais para a tarefa de cuidar.
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No Dia Europeu do Cuidador, os cuidadores informais exigiram que as medidas de apoio aprovadas sejam postas em prática o mais rápido possível. Face à demora, Liliana Gonçalves, presidente da ANCI, avançou, em declarações ao JN, que a associação apresentou queixa, na passada quarta-feira, 5 de outubro, à Provedoria da Justiça.
O estatuto que regula os direitos e os deveres tanto do cuidador como da pessoa cuidada foi aprovado em setembro de 2019, tendo funcionado em sistema de projetos-piloto em alguns concelhos do país até à publicação da regulamentação. Apesar do decreto regulamentar do Estatuto do Cuidar Informal ter entrado em vigor em janeiro de 2022, alargando-o a cuidadores de todo o território continental, a ANCI denunciou que falta regulamentar parte dos apoios. "Atualmente, excetuando o subsídio de apoio, [os cuidadores] não têm os direitos assegurados pela legislação laboral, nem o descanso do cuidador", lamentou Liliana Gonçalves, presidente da ANCI. Segundo a dirigente, apenas nove mil dos 800 mil cuidadores portugueses são reconhecidos juridicamente pelo estatuto.
Quanto à legislação laboral, aprovada em janeiro de 2020, a dirigente disse que falta salvaguardar as "licenças para cuidar, da redução ou flexibilização de horários para cuidadores informais que possibilitam conciliar a prestação de cuidados com a atividade profissional, e aumentar as vagas na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), à qual, no ano passado, apenas 181 cuidadores com o estatuto reconhecido é que tiveram acesso", como escreveu em abril o JN.
Liliana Gonçalves relembrou ainda que a diferenciação positiva, anunciada pelo Executivo a novembro de 2021 - apoio que definia a comparticipação do descanso do cuidador nas unidades da RNCCI pela Segurança Social -, também não foi publicada. "Os cuidadores continuam a não ter esse acesso quando recebem cerca de 310 euros e, por exemplo, uma estadia na rede nacional por utente acaba por custar cerca de 600 euros. Portanto, mais do dobro do subsídio de apoio ao cuidador informal", explicou.
ANCI quer rever estatuto
A ANCI lançou uma iniciativa legislativa de cidadãos com o objetivo de propor à Assembleia da República uma revisão dos requisitos de acesso ao estatuto, criado em 2019, por uma vida mais digna aos cuidadores, mas para isso precisam de atingir as 20 mil assinaturas.
"Queremos uma desburocratização de todo o processo, uma proposta de um valor do subsídio de apoio ao cuidador fixo, sem depender da condição de recursos e que se situe entre o IAS e o salário mínimo nacional. E também que os cuidadores não sejam só familiares, mas amigos e pessoas de vizinhança. No fundo, propomos melhorias no sentido do descanso ao cuidador e da legislação laboral", apontou Liliana Gonçalves.
Numa altura em que o Orçamento do Estado para 2023 se encontra em discussão, Liliana Gonçalves apontou que a ANCI ambiciona a inclusão de "uma verba destinada à contratação de recursos humanos para as equipas de saúde que podem vir a acompanhar os cuidadores informais e para existir também apoio psicológico". Já a nível da RNCCI, a dirigente reforça a necessidade de serem previstas vagas de acesso ao descanso ao cuidador e o planeamento da diferenciação positiva.
Falta de apoios não é um problema de agora
Maria dos Anjos da Silva Catarripa, 66 anos, é cuidadora informal desde 2008 e membro da direção da ANCI. Atualmente cuida da sua mãe. Apesar do reconhecimento jurídico conseguido há cerca de três anos, a cuidadora lamentou ter de continuar a ultrapassar as mesmas dificuldades ano após ano. "Continuamos sem ter qualquer apoio na área da saúde, nem da Segurança Social. As pessoas cuidadas não têm apoio psicológico e os apoios financeiros respondem a meia dúzia de cuidadores informais, uma vez que não contempla os reformados", apontou.
A cuidadora defendeu que, ao longo deste ano, o Governo tem vindo a investir no setor social, mas que "descurou completamente tudo o que foi legislado relativamente aos cuidadores informais", o que disse ser sinal de uma visível "desconsideração por cerca de 65% dos representares da área dos cuidados".
A associação desafiou ainda atuais e ex-cuidadores que não puderam marcar presença na concentração a partilhar fotografias e vídeos em defesa dos seus direitos nas redes sociais que serão depois divulgados na página oficial da ANCI no Facebook.