O presidente da República tem vincado, nos últimos meses, que não abdica do poder que a Constituição lhe confere. Tem dito que não será empurrado para utilizar a "bomba atómica". A queda do Governo seria uma "má notícia", disse recentemente, mas "às vezes tem de haver más notícias".
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Dissolução. Esta é uma palavra, com um forte significado político em termos de Assembleia da República e de Governo, que o presidente da República tem usado e comentado por diversas vezes desde outubro do ano passado. Por um lado, Marcelo Rebelo de Sousa recordou, mais do que uma vez, que tem esse poder e que não abdica dele caso o cenário político o justifique. Por outro, afastou várias vezes a hipótese de fazer cair o Governo, em nome da estabilidade, tendo em conta a conjuntura económica e política e a existência de um governo de maioria absoluta
Com a manutenção de João Galamba como ministro das Infraestruturas, por vontade política de António Costa e contra a opinião de Marcelo, como este deixou claro na nota que emitiu na terça-feira, cresceu a expectativa sobre o que fará o presidente da República neste braço-de-ferro. A declaração que fará ao país, às 20.00 horas, pode ser clarificadora.
Nada é eterno
O tema da dissolução da Assembleia ganhou força nos últimos meses. No discurso do 5 de outubro do ano passado, Marcelo Rebelo de Sousa frisou que "o presidente tem o poder de vetar leis e de dissolver o parlamento", lembrando que "nada é eterno". Esta intervenção no feriado da Implantação da República não teve sequência em temos de discurso nas semanas seguintes. O presidente só voltou a repisar o tema, mas em sentido inverso, após a saída de Pedro Nuno Santos do Governo, perto do final do ano, quando já tinham caído os secretários de Estado Alexandra Reis e Hugo Mendes.
Arma atómica
O cenário político, em especial com as controvérsias em torno da TAP, levou à agitação partidária em torno de uma eventual dissolução, sem que o presidente da República se mostrasse na altura adepto da hipótese. "Tivemos eleições há um ano e não podemos ter todos os anos. Cada vez que há remodelações ministeriais (...), não podemos estar à recorrer à dissolução. É uma arma atómica de que dispõe o presidente da República e não a pode usar todos os anos".
Poucos dias depois, e já depois da demissão da secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves, que durou apenas 24 horas no cargo, Marcelo foi claro: "Não contem com a ideia de dissolver o Parlamento".. Mais à frente, a 24 de janeiro, o presidente explicou que a dissolução "implica o conflito imediato entre o Presidente e o Governo". E vincou: "Sejamos claros, neste momento é insensato pensar na dissolução do Parlamento".
Maioria absoluta
Uma semana depois, o chefe de Estado alinhou pela mesma perspetiva, sem deixar de enviar uma mensagem a António Costa., falando em "anos de maioria absoluta forte e não de maioria absoluta a dissolver-se, mesmo sem dissolução, em dissolução interna." O panorama político acalmou nos meses seguintes.
"Não renuncio ao poder de dissolver"
Em março, numa entrevista à RTP, o presidente da República foi de novo questionado e, apesar de assegurar que não pretendia recorrer à "arma" da dissolução, fez uma declaração de princípios sobre a sua atuação política até ao final de mandato. "Não me peçam para dizer que renuncio ao poder de dissolver. Não renuncio", disse, adiantando que se habitou "a nunca dizer nunca", na medida em que "os factos, a realidade, às vezes são mais imaginativos do que a nossa imaginação". Lembrando que até setembro de 2025 tem esse poder, Marcelo acentuou que não desejava vir a dissolver o Parlamento.
Empurrado, não
No mês passado, o presidente tem novo comentário sobre o tema. "Não faz sentido falar periodicamente de dissolução", avisou Marcelo, com a oposição como destinatária do alerta: "A oposição não pode dar por garantido que o presidente, empurrado, há-de um dia dar a dissolução".
Seria má notícia
O comentário mais recente sobre a dissolução foi em 21 de abril, numa cerimónia em Braga. "Seria uma má notícia ter de introduzir um fator adicional político complementar, a meio deste período de execução de fundos e de enfrentamento da situação económica e financeira existente", afirmou. Mas, logo acrescentou, "às vezes tem de haver más notícias. Se tiver de haver que seja o mais tarde possível, com o mínimo de custos em termos de instabilidade".