João Cravinho lamenta que as conclusões da Comissão para a Descentralização não tenham sido "contraditadas ou aplicadas" pelo Governo e pelo Parlamento.
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A eleição e o reforço de competências das comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) não são nem uma descentralização nem democrática, diz João Cravinho. Há um ano e meio, a comissão que liderou concluiu pela urgência de criar regiões. Agora, acusa o Governo de ter seguido uma solução de "confusionismo" e Marcelo de Rebelo de Sousa de se portar como se tivesse direito de veto sobre a regionalização.
A Comissão para a Descentralização recomendou a criação de regiões, mas nada aconteceu. Era o que antevia?
O Governo e a Assembleia da República não consideraram a nossa proposta: a progressão imediata para a regionalização. Eu tinha expectativa de que as recomendações fossem contraditadas ou aplicadas. Não sucedeu nem uma coisa nem outra. O Parlamento quase não discutiu. O Governo confessa que sente um défice democrático na gestão territorial, mas não o quer resolver, nos termos da Constituição.
Optou por eleições nas CCDR, falando de democratização...
É claro que não se trata de uma descentralização democrática, mas de um arranjo diferente no modo de dirigir as CCDR - sem alterar o facto de serem um órgão da Administração Central. A solução não tem acolhimento na Constituição e não é democrática, porque exclui os cidadãos. Descentralização democrática através de uma ordem jurídica que só existe para excluir os cidadãos... só na Bielorrússia haverá uma democracia deste tipo!
Discorda então que é um passo na democratização das CCDR?
Totalmente.
Como classifica um modelo em que os autarcas elegem os dirigentes, mas não fiscalizam?
É um "confusionismo" democrático! Um eleito sem responsabilidade perante quem o elege...... Não há nada aqui de democracia!
Levanta questões jurídicas?
É uma solução duvidosa do ponto de vista da constitucionalidade, para dizer o menos! O Governo subordina-se a entidades que não têm competência específica na matéria [os autarcas], para nomear dirigentes da Administração Central, numa situação profundamente ambígua. A descentralização democrática tem apenas que ver com a relação com os municípios? Os cidadãos não existem?
No entanto, ninguém questionou a constitucionalidade. Nem o presidente da República, ele próprio um constitucionalista...
É perturbante. O presidente da República promulgou e é o mais reputado constitucionalista! Um dia terá de se explicar e dirá, com certeza, que é constitucional.
Por que razão pensa que o Governo seguiu por este caminho?
Porque serve o seu projeto político para os próximos anos. O Governo acha que a regionalização deve ser efetuada, mas só o fará quando o presidente da República concordar. O que significa: quando houver outro presidente.
Que consequências jurídicas poderão decorrer do modelo de eleição e nomeação dos dirigentes das CCDR?
Pode ser contestado. Se um cidadão entender que o presidente [da CCDR] tomou uma decisão sobre fundos comunitários que o prejudica, pode levar a tribunal. Se o tribunal aceitar o argumento, sobe ao Constitucional. Se confirmar a inconstitucionalidade, vai tudo ao ar!
O Governo seguiu este caminho para não ser acusado de não agir?
Houve uma deficiente interpretação do conceito de descentralização. As CCDR continuam órgãos da Administração Central interna. Isso mesmo foi realçado pelo presidente da República. A passagem de competências de um órgão para outro da Administração Central é descentralização? Não é uma descentralização nem é democrática.
No cenário em que o presidente é contra a regionalização, que alternativas existem?
O cidadão Marcelo Rebelo de Sousa tem a sua opinião, contrária à regionalização, e está no pleno exercício dos seus direitos. Sucede que, agora, é presidente da República e não pode pautar o seu comportamento num sentido contrário à Constituição.
Está a abusar da sua posição?
Não digo abusar... Jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição. Está a agir como se tivesse direito de veto na matéria. [Tem] rigorosamente zero. A Constituição diz que, quando o presidente recebe um decreto da Assembleia da República a dizer que quer um referendo, é obrigado a enviá-lo ao Tribunal Constitucional. Se não for levantada qualquer inconstitucionalidade, não tem a possibilidade de vetar.
Seria prudente o Parlamento avançar com uma proposta de referendo sabendo que teria a oposição ativa do presidente?
É um juízo de oportunidade que tem que fazer. Em 1997, com a intervenção do presidente da República, o referendo passou a ter uma pergunta nacional e uma pergunta regional. Com a exigência, tornaram extremamente difícil a aprovação da regionalização.
O Parlamento deve concentrar-se na revisão da Constituição?
É antidemocrático este regime! Imagine que em quatro regiões há praticamente unanimidade no sim. E que numa região, o não vence por mil votos. O que significa que mil sujeitos que votaram não ganham a todos os que votaram sim. É impossível defender isto em democracia.