Nasceram longe, mas é em Portugal que vivem. Alguns até já lhe chamam "o nosso país". Uns viveram o 25 de Abril, outros ainda não moravam cá na altura e outros nem sequer eram nascidos em 1974. Mas todos sabem da importância da Revolução. O JN falou com cinco dos 31 mil imigrantes que estão recenseados e que, por isso mesmo, podem votar em Portugal. Embora saibam que são uma exceção, todos eles o fazem, por acreditarem que a participação é importante.
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filomena vicente
Vota, mas sem fé nos políticos
Filomena Vicente ainda se lembra do país antes do 25 de Abril. Nascida em Cabo Verde, veio cedo para Lisboa e tinha 16 anos quando se deu a Revolução. A família opunha-se ao regime: lembra-se de ter ficado chocada ao ver na revista "Time", que o avô queimava depois de ler, fotos de corpos de vítimas da guerra colonial. Incomodava-a ter aulas separadas dos rapazes, não poder usar calças e que as mulheres só pudessem viajar com a autorização dos maridos. "Era tudo muito militar", resume. Até que chegou a Revolução: "Somos um país incrível. Só em Portugal, é que poderia haver um 25 de Abril, sem derramamento de sangue. Foi uma festa!". Hoje, o seu entusiasmo é menor. Embora continue a votar, não hesita quando questionada sobre o que mudaria em Portugal: "Os políticos. Já não se fazem como dantes".
aurora santos
Dar dignidade às cabo-verdianas
Se, a 25 de Abril de 1974, quase não houve violência, o mesmo não pode dizer-se do processo que levou até esse dia: "A Guerra Colonial ajudou, em grande parte, a desgastar o Estado Novo", lembra Aurora Almada e Santos, 41 anos, cabo-verdiana e investigadora do Instituto de História Contemporânea. Embora considere que a Revolução "deixou marca" até hoje, sublinha que ainda há muito a fazer para reduzir a desigualdade salarial em Portugal - realidade que, diz, afeta ainda mais as cabo-verdianas. Descreve um dia normal de muitas delas: "Levantam-se muito cedo, deixam os filhos sozinhos e têm dois ou três trabalhos, inclusive ao fim de semana". As crianças "têm de ser independentes muito cedo" e as meninas fazem as vezes de mãe dos irmãos. As mulheres têm poucos momentos de fruição, gerando-se um ciclo vicioso: entre a sobrecarga laboral e a fraca participação cívica, Aurora teme que a comunidade cabo-verdiana "se torne demasiado fechada sobre si própria".
"Como quaisquer valores, os valores do 25 de Abril devem ser construídos no dia a dia. Nunca são obras acabadas"
roman barchuk
"Construir país mais próspero"
Nasceu na Ucrânia quando a Revolução dos Cravos já tinha ocorrido há duas décadas. Chegou a Portugal com oito anos, mas garante estar, perfeitamente, identificado com esse acontecimento histórico. "Estudei muito o 25 de Abril na escola. Percebi o quão importante foi para a conquista de direitos". Com um português perfeito, Roman, consultor estratégico da Galp, acredita que, hoje, muita gente "não valoriza tanto o 25 de Abril, porque já dá os direitos como garantidos". O seu caso, garante, é diferente: interessa-se pelos destinos do país e exerce o seu direito de voto, pois sabe que "há sempre caminho para melhorar a sociedade". É, também, pela via da participação cívica que quer ajudar Portugal a conseguir uma "economia mais próspera" e, com isso, contribuir para a evolução do país.
"Sinto que as pessoas já não valorizam tanto o 25 de Abril, porque já dão os seus direitos como garantidos"
sergio crivelli
"Também é dia de festa em Itália"
"O 25 de Abril também é dia de festa em Itália", afirma Sergio Crivelli. Refere-se à data em que, em 1945, o seu país se libertou do fascismo. "Para mim, esse dia é importante duas vezes!", exclama este chef italiano, dono de um restaurante em Matosinhos e "apaixonado por Portugal". Sergio tem 75 anos e vive cá há 43. Como não tem a nacionalidade, só pode votar nas autárquicas. E garante que o faz: "Votar é importantíssimo. Sou italiano, mas faço parte do povo português". Gostava de poder participar nas legislativas, por ele e por todos "os que escolheram Portugal para passar o resto da vida". Em 1974, chegou a ter férias marcadas para Portugal. O eclodir da Revolução adiaria a viagem por três anos. Na altura, a memória do 25 de Abril "era ainda muito fresca"; hoje, acha que os jovens veem a data como um "facto histórico".
marcelo lafontana
Brasileiros querem participar
Marcelo Lafontana, brasileiro, está a falar do 25 de Abril há alguns minutos. Refere-se ao acontecimento como "a nossa Revolução", apercebe-se disso e afirma que esse sentimento de pertença é a prova de que está "perfeitamente integrado" em Portugal. Tem 56 anos e vive há mais de 30 no Norte. Para o filho de pai catalão, a mobilização popular iniciada com o 25 de Abril "representou algo que, em Espanha, nunca aconteceu verdadeiramente" - já que, no país vizinho, não houve Revolução e sim transição para a democracia. Marcelo, diretor artístico de uma companhia de teatro de marionetas em Vila do Conde - que fará, amanhã, um espetáculo na residência oficial do primeiro-ministro -, considera que muitos dos seus compatriotas são quase "exilados sociais" em Portugal, fugidos à miséria e à violência. "No geral", têm "vontade de se integrarem, de participarem" na política, até porque a maioria não vem de passagem e sim "para estabelecer a sua vida". Acredita que o 25 de Abril deixou uma "tolerância perante as diferenças" que ainda perdura, mas alerta: é preciso fazer com que os jovens não se esqueçam o que foi a Revolução, em nome da memória e para evitar que surjam "fenómenos neofascistas".