Há seis vezes mais candidatos do que crianças disponíveis para adoção e a maioria só aceita bebés, que escasseiam.
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O tempo médio de espera das famílias candidatas a adotar uma criança está a aumentar e três em cada quatro agregados familiares que adotaram em 2021 já tinham feito a candidatura há pelo menos seis anos. Isto deve-se à falta de crianças disponíveis (o número de candidaturas é seis vezes maior), mas a pandemia também ajudou a atrasar o processo.
Ana (nome fictício) é jurista na área da família e menores e está, com o marido, há três anos na lista de espera para adotar. A ausência de resposta levou-a a alargar a idade máxima de crianças que está disponível para aceitar (de oito para 12 anos) e até está disponível para receber irmãos, mas a Segurança Social continua a dizer-lhe que está em fila de espera. "São dadas demasiadas oportunidades à família biológica", defende, explicando que "nem sempre um tribunal tem a coragem de dizer que à família biológica já foram dadas todas as oportunidades".
O relatório do Conselho Nacional para a Adoção (CNA) mostra que, das 162 famílias que adotaram crianças em 2021, 75% já estava à espera há pelo menos seis anos. Em 2017, apenas 29% esperavam tanto.
Sandra Cunha, dirigente associativa ligada à adoção e ex-deputada do BE, adianta que "o aumento do tempo de espera das famílias está relacionado com o número de crianças disponíveis para adoção, que também tem vindo a diminuir". O relatório CASA (Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens), da Segurança Social, confirma-o: na última década, o número de crianças cujo projeto de vida passa pela adoção caiu para menos de metade. Em 2011 eram 1124 e em 2021 só havia 502, o número mais baixo desde que há registo. Destas, a maior parte já nem está disponível para ser adotada pois encontra-se na fase de pré-adoção, com família adotiva atribuída.
Muitas em instituições
Sobram apenas 226 crianças para as 1419 famílias que, no final de 2021, esperavam por uma oportunidade para amar um filho que nasceu de outro ventre.
Apesar do baixo número de crianças disponíveis, há 6369 institucionalizadas, só que apenas 8% têm a adoção como projeto de vida delineado pelo sistema. Uma análise aos projetos de vida das 6369 crianças institucionalizadas revela que os dois principais destinos são a tentativa de reintegração na família biológica (2353 crianças, 37%) e a autonomização (2077, 32%).
Sandra Cunha concorda que há "algum pudor em propor crianças para adoção". As tentativas de reintegração na família biológica são a maioria, sucedem-se e eternizam-se enquanto "a criança vai crescendo e acaba por ficar na instituição" até aos 18 anos, altura em que sai para a vida autónoma sem apoio familiar.
O relatório do CNA confirma que "as crianças continuam a passar por longos tempos de acolhimento, muitas vezes conscientes de que o aumento da sua idade interfere na hipótese de encontrarem família".
Outra causa para os elevados tempos de espera são as candidaturas que "não correspondem ao perfil" das crianças disponíveis, revela Maria João Leote, investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa. Segundo o CNA, em 2021, dois terços das famílias apenas queriam crianças até aos três anos, mas estas só representavam 23% do total de menores disponíveis. Da mesma forma, 31% das crianças tinham problemas de saúde graves (71) e outras 30% eram deficientes (68), mas as pretensões dos candidatos para estas situações correspondiam a 0,2% e 0,1%, respetivamente. Os confinamentos na pandemia deixaram "parados ou muito dificultados os processos de adoção" que "vão demorar a recuperar, antevê Maria João Leote.
Crianças devolvidas ao fim de cinco anos de adoção
O relatório do CNA dá conta que houve nove adoções interrompidas em 2021, algumas das quais ao fim de vários anos de integração. Sem detalhar os números, o CNA indica que as interrupções da integração ocorreram maioritariamente no período de transição, sem que a criança tenha coabitado com os candidatos.
Contudo, há casos em que já estavam no seio da nova família. "Em 2021, o período de tempo decorrido entre o início do acolhimento e a apresentação da proposta de encaminhamento para a família adotante das crianças cuja integração foi interrompida variou entre um ano a cinco anos", diz o CNA. Das nove crianças que viram a adoção interrompida, seis são pertencentes a três grupos de dois irmãos. A maioria tinha entre nove e 12 anos. Há vários motivos para a interrupção da adoção ou devolução da criança adotada. Do lado da família, o CNA constatou que entre as causas está o "desinvestimento da relação após a identificação de comportamentos mais exigentes". Do lado da criança, os principais motivos para a interrupção são "a fraca motivação para a adoção" ou a "existência de sentimentos de lealdade para com a família de origem", explicam.
Fases do processo
Sessão informativa
A primeira fase é uma sessão formativa e só depois se pode preencher o formulário de candidatura.
Avaliação da família
A Segurança Social fará então entrevistas de avaliação dos candidatos, incluindo em casa destes, e durante este período é frequentada a segunda formação. No prazo de seis meses, a candidatura é decidida.
Decisão do tribunal
Se a candidatura for aceite, passa a figurar na lista de adoção. Após ser encontrada uma criança com o perfil certo, há a fase de contactos e nova formação. No fim, o tribunal profere a sentença que conclui a adoção.
Perguntas e respostas
Quem pode adotar?
Podem ser pais adotivos casais casados (sejam ou não do mesmo sexo) ou a viver em união de facto há mais de quatro anos, se tiverem mais de 25 anos. Pode ainda uma pessoa sozinha, com mais de 30 anos (ou de 25 anos, se o adotado for filho do cônjuge). O limite máximo é de 60 anos e a diferença de idade entre adotante e adotado não pode ser superior a 50 anos.
E ser adotado?
Podem ser adotadas as crianças institucionalizadas com idade máxima de 15 anos que os serviços da Segurança Social e/ou tribunal definam a adoção como projeto de vida. Ou seja, que não têm nem terão laços afetivos com a família biológica.
Onde pode ser iniciada a candidatura?
Deve ser contactado o Centro Distrital da Segurança Social da área de residência ou, no caso do distrito de Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia.
Há lista de espera?
Sim, há lista de espera de candidatos e limite de crianças disponíveis. A 31 de dezembro de 2021, havia 1419 famílias à espera de adotar e 226 crianças disponíveis para a adoção.