O mercado dos seguros de saúde respira vitalidade.
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No último ano, o volume de negócios, que inclui receitas e prémios, aumentou 7,4% e o número de contratos de seguro cresceu, nos primeiros seis meses de 2018, 3% face ao primeiro semestre de 2017, atingindo um total de mais de 2,6 milhões, segundo a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) e a Associação Portuguesa de Seguradores, APS.
O total do ano não está fechado, mas em setembro o negócio movimentava mais de 628 milhões de euros. Os contratos, adianta a APS ao JN, cresceram 5,7% em dois anos e 3% no último ano, comparando o primeiro semestre com o período homólogo de 2017.
Paulo Moreira, editor científico internacional em Gestão e Políticas de Saúde, e Pedro Pita Barros, professor da Nova de Lisboa, especialista na área da economia da saúde, justificam o ânimo do setor com os atrasos no Serviço Nacional de Saúde (SNS). "Reflete, provavelmente, a preocupação das pessoas em terem acesso célere a cuidados de saúde, mais rápido do que aquilo que esperam no SNS", afirma Pita Barros.
Paulo Moreira recorda que a recuperação das empresas seguradoras coincide com o desinvestimento contínuo no SNS e começou no tempo de Paulo Macedo, ministro da saúde (PSD). "A decadência dos hospitais públicos é o reflexo do desinvestimento". E, a prová-lo, "as demissões dos diretores clínicos. Assumiram em público que os hospitais não garantem o mínimo de qualidade". As exceções são as instituições universitárias. Estarem associadas às escolas e à investigação permitiu-lhes preservar a inovação. Mantêm os meios tecnológicos de ponta porque a indústria os financia, justifica.
"O congelamento das convenções com o setor privado", sublinha, "no tempo de Paulo Macedo, facilitou a vida ao setor privado. Os cidadãos passaram a ter tempos de espera para fazer exames. Acabou por ser uma medida de ouro para o setor privado". Em simultâneo, as clínicas começaram a oferecer consultas e exames a preços reduzidos. "As medidas de contenção do SNS geraram oportunidades ao setor privado", diz.
Oncologia no privado
Moreira prevê que o "setor público seja rapidamente ultrapassado". O ponto é este: os tempos de espera continuam elevados no SNS e os custos dos seguros tornaram-se mais acessíveis, em virtude do ganho de escala, sintetiza.
Pedro Pita Barros considera, de qualquer maneira, que o SNS está longe de ser posto em causa. "O seguro de saúde defronta problemas vários", considera, acrescentando que "nos países onde se usa sobretudo seguro de saúde, é necessário forte regulação e, frequentemente, torna-se obrigatório para todos. A cobertura nacional acaba por ser mais simples de assegurar via SNS do que através do mecanismo de seguro". Por outro lado, "para cobrir despesas elevadas, como as associadas com tratamentos oncológicos completos, as seguradoras teriam de subir os preços".
Para demonstrar a vitalidade do setor, Moreira recorda que, quando o serviço de urgência 24 horas abriu num hospital privado, ninguém acreditava que se mantivesse e manteve; e hoje o diagnóstico de cancro recorrendo a tecnologia sofisticada está disponível em clínicas espalhadas pelo país.
Pita Barros não coloca os sistemas em conflito. "O SNS tem o papel de segurador público, de assegurar que ninguém fica privado de acesso a cuidados de saúde. Isso não impede nem contradiz que os hospitais privados tenham serviço de elevada tecnologia e que procurem estar presentes também na área do oncologia. Terão de perceber se encontram a quem prestar serviços, não sendo obrigado o SNS a ter de lhes comprar serviços."
Pormenores
1,2 milhões na ADSE - Entre os subsistemas públicos de saúde, é de destacar a ADSE, que reúne 1,2 milhões de beneficiários.
21 hospitais comprados - Desde 2010, a Autoridade da Concorrência apreciou 21 operações de compra de hospitais e clínicas em Portugal.
Seguro de saúde supera automóvel - Numa análise de crescimento do volume de negócios em 2018, o do segmento do seguro automóvel foi inferior ao da saúde. O primeiro cresceu 6,7% e o segundo 7,4%. E isto apesar da recuperação registada no ramo automóvel, como explica o relatório da ASF.
Mais hospitais privados - Pela primeira vez, contaram-se mais hospitais privados do que públicos em Portugal: 114 contra 111, segundo revelou o INE em 2018. Em camas disponíveis, porém, continua a ser o serviço público a estar à frente na oferta, tem mais de 24 mil contra 11 mil.
Peso do setor privado na despesa - Os seguros de saúde representam ainda cerca de 4% do total das despesas em saúde. Apesar de haver 2,2 milhões de beneficiários, "ainda é um valor bastante residual em termos de despesa em saúde", segundo Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.
Consultas externas - O setor privado está focado nas consultas externas, diz Alexandre Lourenço. "Oferece consultas em tempo útil e soube inovar no serviço ao cliente", justifica ainda o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.