Quem vive em Sagres e precisa de ir às Finanças tratar de algum assunto tem de percorrer mais de 100 quilómetros para ser atendido em Tavira.
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Para alterar a morada do cartão de cidadão, em Torres Vedras, só se consegue atendimento em fevereiro do próximo ano. Os serviços justificam-se com a pandemia e tutela aponta que as reclamações no Livro Amarelo (em papel ou e-mail) diminuíram 44%: até agosto, foram recebidas 21 188 queixas, quando, no ano passado, tinham sido mais de 38 mil. No Portal da Queixa, pelo contrário, o número de reclamações aumentou, sendo a falta de atendimento ou de resposta o principal motivo de frustração dos cidadãos.
O Ministério da Justiça admitiu, em meados de agosto, que existiam 330 mil cartões de cidadão por levantar. O sistema de renovação automática, por SMS ou online, foi rapidamente montado mas, quando funciona (ler mais ao lado), encrava nas entregas. Como ensaiou o JN, os pré-agendamentos variavam, a 19 de agosto (ler infografia), entre alguns dias, no Porto, e muitos meses, sendo o máximo em Torres Vedras (6 meses de espera).
Agravamento de falhas
Nas próximas semanas, os 680 Espaços Cidadão do país irão ajudar a descongestionar os atrasos, adiantou fonte do Ministério da Modernização do Estado e Administração Pública (MMEAP). Os documentos caducados a partir de 24 de fevereiro são válidos até 30 de outubro e "mesmo após essa data, desde que comprovada a existência de um agendamento para renovação". Também o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras acabou por optar, a 21 de julho, pela renovação automática das autorizações de residência. Num mês, despachou 47 mil processos.
Os sindicatos da Função Pública recordam que "há anos que saem pessoas e falta gente". Menos 22 mil desde 2010, diz Helena Rodrigues, presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado. "O problema já vinha de trás e, agora, o serviço vai-se acumulando com o agendamento do atendimento", reconhece José Abraão, secretário-geral da Federação dos Sindicatos da Administração Pública. "Se as regras da Direção-Geral da Saúde forem cumpridas, os trabalhadores estão dispostos a atender", assegurou o dirigente.
Atualmente, um em cada quatro funcionários públicos está em teletrabalho, segundo o MMEAP, mas os sindicatos dizem que nunca tiveram tanto serviço. "Quando atendiam, não tinham de estar no telefone ou a responder por e-mail. Com agendamentos, atendem e fazem tudo o resto", explicou Helena Rodrigues.
Atendimento prioritário
O Ministério das Finanças revelou que fez 300 mil atendimentos presenciais de assuntos "urgentes e inadiáveis" entre abril e julho e, contrariando aquilo que o JN encontrou nas tentativas de marcação, assegurou que "em mais de 95% dos municípios do país tem existido disponibilidade de agendamento".
O MMEAP recorda, contudo, que os cidadãos com prioridade no atendimento (pessoas com deficiência ou incapacidade, idosos, grávidas e pessoas acompanhadas de crianças de colo) devem ser dispensados de marcação prévia, pelo que os serviços devem dar resposta no local.
Juntas médicas ainda por retomar chegam à provedora de Justiça
A pandemia será responsável pela lista de espera de 45 mil pessoas que aguardam ser presentes a juntas médicas para verificação de incapacidades, a única forma de obterem apoio e benefícios sociais, muitas vezes determinantes para o dia a dia. A provedora de Justiça já enviou duas recomendações ao Governo, para que o problema seja rapidamente resolvido, através da emissão extraordinária e automática de atestados com 60% de incapacidade para doentes oncológicos e o prolongamento da validade dos atestados já emitidos até que os utentes consigam a junta médica. Esta última recomendação já foi acolhida, tendo a validade dos atestados de incapacidade multiuso já emitidos sido prorrogada até 31 de dezembro. As juntas médicas foram suspensas, entre março e junho, para libertar os médicos de saúde pública para a resposta à covid-19 e os doentes ficaram sem solução. À data, o Governo decidiu que as Administrações Regionais de Saúde tinham de criar pelo menos uma junta médica por Agrupamento de Centros de Saúde ou Unidade Local de Saúde. Em julho, o Norte tinha 15 (número que se mantém), o Centro 17, Lisboa e Vale do Tejo também 15, o Alentejo e o Algarve cinco cada. Uma resposta que continua aquém das necessidades e que, a manter-se, deixará milhares de pessoas sem atendimento este ano.