Observatório recebeu 58 denúncias desde janeiro. Maioria dos afetados tem menos de 15 anos e 10% dos alunos sentem ter a vida em perigo.
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Desde 1 de janeiro até 5 de outubro deste ano, o Observatório Nacional do Bullying recebeu 58 denúncias. A maioria das agressões (82,8%) é testemunhada, mas apenas 5,2% dos observadores defenderam a vítima. Num contexto pós-pandemia, após períodos em confinamento que quebrou processos de socialização, e com a crise económica e social a agravar-se, dirigentes de associações e diretores das escolas públicas temem que os casos de violência possam aumentar. E alertam para a falta de recursos nos estabelecimentos. Hoje, celebra-se o Dia Mundial de Combate ao Bullying.
De acordo com os dados recolhidos pelo Observatório, quase metade das vítimas tem entre 11 e 15 anos e 31% entre seis e dez anos. Quase um quinto (19%) refere que, após o processo de denúncia, continua a não se sentir seguro na escola e 10,3% consideram ter corrido risco de morte. No ano passado, o Observatório recebeu 82 queixas e há dois, quando foi criado, 407.
Paula Allen, diretora da associação Plano i que criou o Observatório, não atribui a quebra no número de denúncias a uma redução nas agressões. Em 2020, a "mediatização" do projeto de monitorização do bullying contribuiu para um maior número de denúncias, a pandemia depois diminuiu-o. No entanto, admite, as crises favorecem a subida de casos e "a maioria das escolas que nos contacta para apoio formativo não tem as ferramentas para lidar com o bullying". Por exemplo, ao nível de funcionários e de psicólogos. "É nos recreios que mais são reportadas situações de bullying. É urgente que seja criada uma estratégia de tolerância zero à violência e ao bullying dentro das escolas. E deveria ser criado um quadro legal específico para o bullying, que não existe em Portugal", insiste Paula Allen.
Inês Andrade, da Associação No Bully Portugal, considera, aliás, que o número de queixas é sempre "a ponta do icebergue. Só acontece quando estão desesperados". A pandemia e os confinamentos fizeram disparar o cyberbullying. "Já não há paragens, nem mesmo nas férias", sublinha. A presidente da Confederação Nacional de Pais, Mariana Carvalho, revela que a Confap está a receber mais pedidos de formação, mas não reporte de mais denúncias. "O que tem sido transmitido é que os alunos estão mais intolerantes", descreve.
transferência não é saída
No ano passado, a Associação No Bully deu formação em 13 escolas. Este ano, já tem pedidos de mais de 20 agrupamentos. Também há mais pais a solicitar ajuda à associação, revela Inês Andrade, que aponta o caso de uma família cujo filho foi espancado "e tem medo pela sua vida". Regressar às aulas, após agressões, é muito difícil para as vítimas. "Não sentem que a escola as consiga proteger convenientemente e têm medo constantemente", explica. Inês Andrade recomenda aos pais que apresentem queixa na PSP ou na GNR e falem com a escola para encontrar alternativas.
Defende a possibilidade de, temporariamente, os alunos terem aulas online. "Muitos recusam voltar e acabam por chumbar por faltas. É preciso haver tempo e apoio para recuperarem e não ficarem com trauma", considera. Na maioria dos casos, as escolas acabam por suspender os agressores e as vítimas pedem transferência de escola. "É a solução mais rápida, mas uma grande incógnita" quanto ao resultado. O fundamental é que haja mudança de comportamentos.
À lupa
31% recebem apoio
A maioria dos agressores (66%) tem entre 10 e 15 anos e são rapazes (55,1%). Um quarto das vítimas (25,7%) frequenta o 1.º Ciclo. De acordo com os dados do Observatório, 17,2% das vítimas recebem cuidados médicos e 31% apoio psicológico.
67,2% presencial
A maioria dos casos de bullying reportados ao Observatório (67,2%) resultou de situações presenciais. Já 22,4% das agressões são presenciais e online, e 6,9% só na Internet. Na quase totalidade (96,6%), agressores e vítimas são colegas de escola.
Diário de ajuda
"O bullying termina aqui! O teu diário de superação", escrito por Marta Curto, vítima de bullying, e pela Associação No Bully Portugal. Além das informações e dicas, o objetivo é "ser uma ajuda" para todos, explica Inês Andrade.