Ernesto Tavares soma, este ano, o terceiro Natal que passa sozinho. É na Internet que encontra um refúgio para se abstrair do isolamento.
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Não é a primeira vez que Ernesto, de 85 anos, vai passar o Natal sozinho. Com este, já conta três. "Dá-me muita tristeza. Tenho muita saudade. Vivo uma frustração inexplicável", confessa, ao mesmo tempo que se recorda do filho.
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A última vez que estiveram juntos foi no ano passado, precisamente pela altura do Natal. "Por volta das 20 horas, ele saiu e foi a Canelas, em Gaia, ter com um colega", começa por contar Ernesto. "Qualquer coisa por causa de um computador", diz, numa tentativa de reavivar aquela memória, já um pouco turva. "Tirou o curso de Engenharia Informática. Disse-me que jantava depois", esclareceu.
Nunca regressou a casa do pai. "Na viagem de volta, mataram-me o único apoio que eu tinha". O ecoar das palavras nas paredes do seu pequeno escritório (é lá que, com um aquecedor a óleo, passa os dias mais frios "entretido no computador, na Internet") paralisa-lhe o corpo.
"Eram onze horas da noite. Seis indivíduos na brincadeira, em contramão, foram contra ele e mataram-mo", suspira. O silêncio volta a tomar conta da sala.
Ernesto, que tinha ficado viúvo há 13 anos, viu-se completamente sozinho. "Era o apoio total que eu tinha. Andava de Smart pela cidade. Mas eu tinha-lhe oferecido, em julho, um Mercedes", refere, lamentando que, no dia do acidente, o filho não estivesse a conduzir o carro novo, porque era mais seguro.
Sabe que tem uma neta, mas não tem qualquer contacto. "A mãe foi com ela para a Alemanha", conta Ernesto.
Filho com "coração maravilhoso"
Foi em janeiro de 1970 que, com a mulher com quem era casado há dez anos, adotou "um menino com um mês". "Nunca me passou pela cabeça que não era meu filho. Foi sempre um rapaz fantástico, com um coração maravilhoso tanto para a mãe como para o pai", lembra.
Hoje, Ernesto vive na Rua de Alegria, perto da Baixa do Porto, e apesar de ter sido em Vila Nova de Famalicão que nasceu, não passou lá muito tempo. Aos 11 anos foi para Braga, para casa de uns tios, "e durante o dia trabalhava numa mercearia". As noites estavam reservadas para tirar "o Curso Geral de Comércio".
O desejo de "sair da cepinha torta e ser mais alguém na vida" deu origem a uma zanga com o tio. A promessa rápida de um amigo "sócio do Arnaldo Trindade" - fundador da editora discográfica "Orfeu" - que lhe ia encontrar um emprego no Porto foi o que bastou para Ernesto se aventurar. "Fiquei num quartinho arrendado na Travessa dos Clérigos", recorda, com carinho.
O calendário marcava o ano de 1958 quando Ernesto começou a trabalhar na empresa e só saiu de lá passados 34 anos. "Foi o único emprego da minha vida", observa, orgulhoso. Nos primeiros anos de trabalho, e "de vez em quando, fazia umas vendas de eletrodomésticos". Foi assim que conheceu a mulher. Casaram dois anos depois.
Na altura, era professora num colégio de freiras. "Entretanto, ela candidatou-se aos correios e foi chefiar uma estação em Grijó, em Gaia, e fomos para lá", junta Ernesto. A vida foi mudando e acabaram por construir uma vida no Porto. Foi em 2006 que perdeu a mulher, quatro anos mais velha. Mas não perdeu a esperança no amor.
"Isto é uma solidão...",
Há dez anos, Ernesto juntou-se com outra companheira. "Em 2017, teve um AVC e está internada no Hospital do Terço. Conhece as pessoas, mas ainda não fala nem se movimenta", entristece-se.
"Fiquei sem a mulher, sem o filho e agora sem a companheira. Estou sozinho. Preparo tudo para o Natal, mas não tenho ninguém", encolhe os ombros.
"Isto é uma solidão...", desabafa. "O que me vale é o computador e a Internet", afirma, rasgando, por fim, um sorriso. Mas a paz que encontra no escritório - chama-lhe "o meu cantinho" -, ao "conseguir falar com algumas pessoas" sobre futebol e política não perdura. "Tenho estado muito sozinho", suspira.