Psicólogos dizem que ansiedade pode agravar patologias. Mais de 1,2 milhões de atos por realizar nos hospitais.
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Não é só com o lado físico que os atrasos na resposta dos serviços de saúde interferem. Quem é doente, por norma, já está mais fragilizado. E não saber o que se segue no futuro próximo, em relação ao seu estado de saúde e aos seus tratamentos, deixa estas pessoas ainda mais ansiosas. Principalmente durante uma pandemia, quando tudo é incerto.
Foi o que aconteceu com Fátima Abreu, de 37 anos, que após ter recuperado de um cancro da mama diagnosticado há cinco anos foi confrontada com uma metástase no fígado em junho, e teve de esperar até novembro por uma cirurgia que era urgente.
Diz o ditado que há males que vêm por bem, e no caso de Fátima essa circunstância manifestou-se quando uma pancada inadvertida do filho permitiu detetar um cancro da mama silencioso. A intervenção rápida e os tratamentos proporcionaram-lhe uma recuperação sem sobressaltos. Mas, no final de junho, confrontou-se com o segundo acaso.
Umas análises de rotina adiadas revelaram aquilo que os restantes exames feitos um mês antes não tinham detetado: uma alteração nos marcadores tumorais, que levou ao diagnóstico de uma metástase no fígado. "A médica achou que as análises podiam não ser minhas. Tive de as repetir", relatou ao JN.
Mas foi a partir daqui que tudo se complicou. Se o diagnóstico, obtido quase por acaso, permitiu detetar a lesão mais cedo, a resposta dos serviços de saúde obrigou a doente a lidar com a ansiedade da espera, uma realidade decorrente dos atrasos na realização de exames e de atos médicos.
"Já não dormia"
"Entrei numa ansiedade completa. Já não dormia. Pedi apoio psicológico, qualquer coisa", adianta. Decidida a "não baixar os braços" apelou às médicas que a tinham acompanhado anteriormente, à oncologista e à de cirurgia da mama, e conseguiu acelerar o processo.
Foi operada a 11 de novembro, depois de ter esperado duas semanas para fazer uma biópsia e seis para a operação. Para os médicos, diz, "até podia ser o tempo adequado. Para mim, a conviver com uma metástase, sem saber se estava a aumentar, deixou-me num estado difícil", recordou.
Os dados do Movimento Saúde em Dia (que junta a Ordem dos Médicos e a Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares - APAH) indicam que até outubro ficaram por prestar 1,2 milhões de cuidados hospitalares (consultas e cirurgias) em comparação com o mesmo período de 2019. E têm sido muitos os alertas de médicos e de associações de doentes para o risco dos diagnósticos tardios, a que se soma o aumento da mortalidade que não é atribuída à covid-19 (ver ficha).
"Sempre que nós sentimos que não controlamos o que temos pela frente, isso aumenta a ansiedade", explicou ao JN Francisco Miranda Rodrigues, bastonário da Ordem dos Psicólogos, sublinhando que "as pessoas não são todas afetadas da mesma forma".
Perceção do risco
"Se ficamos com uma gripe e somos uma pessoa saudável, provavelmente, a perceção de risco que sentimos é diferente da que temos quando desenvolvemos uma doença oncológica", exemplificou o especialista.
O problema é que "quanto maior é a perceção do risco e menos recursos temos para lidar com a situação", sejam competências de gestão emocional, recursos financeiros ou técnico especializados - neste caso profissionais de saúde - "entra-se num círculo vicioso", que ao aumentar a ansiedade também agrava o estado de saúde inicial. No cancro, por exemplo, o stress "está identificado como fator de risco".