Casos encaminhados para intervenção psicológica do INEM batem recorde, com aumento dos comportamentos suicidários. Crise social pode explicar.
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Em 2021, foram registados 952 suicídios, o número mais alto desde há quatro anos. No espaço de um ano, verificou-se um aumento de 8,18% nas mortes por suicídio. Os dados são do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) e foram fornecidos pelo Ministério da Justiça ao JN. As dificuldades sociais, de emprego e económicas consequentes da pandemia são apontadas como potenciais explicações.
Em 2018, registou-se um pico de 1020 suicídios. Desde aí, os números tinham vindo a descer, com 907 mortes por suicídio em 2019 e 880 em 2020. Os dados de 2021 mostram uma inversão. Joaquim Sousa Gago, membro da Coordenação Nacional para as Políticas de Saúde Mental enumera as dificuldades do pós-pandemia, como as mudanças na forma de trabalhar, o desemprego, os períodos de luto emocional, as carências económicas e o isolamento, como potenciais fatores de explicação.
gatilho para depressão
Luís Duarte Madeira, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, corrobora, explicando que estes são fatores que "determinaram a manifestação de síndromes depressivas e ansiosas em indivíduos anteriormente saudáveis, bem como funcionaram como um gatilho para episódios depressivos naqueles que tinham doença mental".
O número de mortes por suicídio, acrescenta Madeira, é ainda "um indicador importante para a existência de episódios depressivos e abuso de substâncias, que parecem associar-se a 90% de todos os suicídios".
Também os comportamentos suicidários (tentativas efetivas ou intenção ou ideação suicida) tiveram um aumento acentuado. Segundo dados do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), de 2019 para 2021, o número de chamadas relacionadas com comportamentos de risco aumentou quase 39%. Em particular as tentativas de suicídio, que passaram de 600 antes da pandemia para 801 no ano passado.
Também os problemas de saúde mental no geral registaram um crescimento, com as chamadas recebidas pelo INEM e encaminhadas para o Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise (CAPIC) a chegarem às 22 142 em 2021, o número mais alto de que há registo - 2019 fixava-se em pouco mais de 20 mil registos. A estas há a acrescentar os pedidos recebidos pelo aconselhamento psicológico do SNS24, criado durante a pandemia para responder ao esperado aumento de situações de crise.
Em 20 anos, nunca o número de suicídios esteve tão elevado como na época da crise de 2008: 2011 regista o recorde, com 1208 mortes por suicídio, segundo o INML. O regresso à normalidade no pós-pandemia, a guerra na Europa e uma crise económica iminente poderão fazer com que os números voltem a aumentar, mas não é linear.
"A questão não se esgota no impacto dos problemas socioeconómicos", acredita Pedro Morgado. O psiquiatra, professor e investigador explica que "o desinvestimento em saúde e a consequente deterioração do acesso aos cuidados de saúde mental durante os tempos da troika" foram os contributos relevantes para a evolução negativa no número de suicídios, não especulando sobre uma nova subida no número de suicídios.
Até 2030, o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável traça a meta de redução da mortalidade nacional por suicídio em 1/3, tendo como referencial 2015 (quando as mortes por suicídio se fixavam em perto de 960).
Mortes por suicídio em Portugal
40 equipas comunitárias no terreno até 2025
Em julho, foi dada luz verde à contratação de mais dez equipas comunitárias de saúde mental. Serão 40 até 2025. Destinadas a adultos e crianças, estão distribuídas por unidades locais de saúde e centros hospitalares das cinco regiões de Portugal continental. O objetivo da medida, agora incluída no Plano de Recuperação e Resiliência, é aproximar os cuidados de saúde mental da população. Cada equipa é constituída por seis profissionais, entre os quais psiquiatras, psicólogos e enfermeiros. As primeiras dez equipas foram destacadas em 2021 e a próxima fase prevê a criação de mais cinco em 2023.