Vítimas querem que Estado assuma pagamento de indemnizações.
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Seis dias para reconhecer o surto, nove para começar a investigar, 14 para encerrar torres suspeitas, nenhuma medida preventiva, colheitas em fábricas que tresandavam a cloro. Dois anos depois, o inquérito ao surto continua a correr termos no DIAP do Porto. Se não houver culpados, as vítimas querem ver o Estado condenado por inércia. Falam numa investigação "demasiado lenta e muito negligente".
"Não há dúvida de que é um atraso que é patológico. Ou tem provas e acusa, ou não tem e arquiva, mas ficar "engavetado" não se justifica", afirma António Archer, o advogado que, em março de 2021, recorreu à ação popular para que vítimas e familiares se constituíssem assistentes do processo-crime. Atualmente, são 15.
No limite, se não for encontrado um responsável pelo surto, as vítimas entendem que o Estado deve assumir o pagamento das indemnizações, como aconteceu noutros casos [ler ficha ao lado]. No entanto, uma eventual queixa na Provedoria de Justiça nesse sentido só poderá acontecer após o arquivamento do processo. Até lá, não adianta avançar com essa queixa.
Atrasos frequentes
"Sucede, infelizmente, com frequência haver estes atrasos. Era bom que a justiça fosse mais célere, mas há muitas queixas de falta de meios", afirmou, ao JN, o bastonário da Ordem dos Advogados. Sem querer comentar o caso concreto, Luís Menezes Leitão lembra as declarações recentes do anterior diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Albano Pinto denunciou a falta de meios no órgão do Ministério Público e lamentou que no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) esteja apenas um milhão de euros para a Procuradoria-Geral da República (PGR) em cinco anos. Ao JN, a PGR diz que a investigação ainda prossegue e, com o inquérito em segredo de justiça, mais não diz.
Diferenças
Em Vila Franca de Xira, no surto de 2014, houve 403 infetados e 12 mortos. Neste caso, 88 infetados e 15 mortos. Uma taxa de mortalidade "anormalmente alta", que fez os especialistas acreditar que, com a covid-19 à mistura, muitos casos ficaram por diagnosticar. Este será o surto mais mortal registado em Portugal, mas a diferença para Vila Franca é gritante: de um lado, comunicados diários da Direção-Geral da Saúde; do outro, não houve sequer uma recomendação às populações.
"Coitadas das pessoas afetadas", diz o presidente da Câmara da Póvoa. Aires Pereira nunca mais recebeu qualquer notícia das entidades competentes. Em Vila do Conde, Vítor Costa também lamenta a demora, pede "celeridade" e gostava de "ver responsabilizados os culpados".