Bella Gonçalves, deputada estadual brasileira pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) em Minas Gerais, identificou-se como uma das alegadas vítimas de Boaventura de Sousa Santos, que foi recentemente acusado num livro de assédio sexual e moral no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. A também vereadora em Belo Horizonte afirmou à imprensa brasileira que "os danos são irreparáveis".
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"Um dia, ele pediu para marcar uma reunião no apartamento dele. Colocou a mão na minha perna. Falou que as pessoas próximas dele tinham muita vantagem e sugeriu que a gente aprofundasse a relação", disse Bella Gonçalves à "Agência Pública".
Na quarta-feira, a deputada brasileira já tinha dado o seu testemunho ao jornal "Público", mas não revelou a identidade. Agora, diz, fá-lo devido à "postura de negação e descredibilização" do sociólogo português. Um dia depois, na quinta-feira, o JN tentou contactar o diretor emérito do CES, entretanto suspenso de funções da instituição, sobre as novas denúncias, mas não obteve resposta.
Todos diziam que eu não era o primeiro caso. Lamentavam, mas não davam suporte ou saída
A também vereadora garante que os casos de assédio eram conhecidos por várias pessoas na instituição. "Todos diziam que eu não era o primeiro caso. Lamentavam, mas não davam suporte ou saída", defende. A direção e a presidência do conselho científico do CES referiram, em comunicado, esta sexta-feira, não ter "conhecimento de tentativas de averiguação ou ocultação de eventuais condutas inadequadas que tenham ocorrido no passado".
Bella Gonçalves explica que as situações de assédio ocorridas no CES foram descritas no capítulo do livro internacional "Conduta Sexual Imprópria na Academia", publicado a 31 de março. A obra escrita por três investigadoras (de nacionalidades portuguesa, belga e norte-americana) descreve casos de "extrativismo intelectual e sexual" numa instituição académica. Apesar de não referirem o nome, a situação é facilmente atribuível ao CES, por ter sido o local onde as três trabalharam, e a Boaventura de Sousa Santos e a Bruno Sena Martins. Ambos viriam a negar as acusações e a afirmaram ser alvo de "difamação vil" e de "incitamento ao linchamento".
Boaventura já era conhecido por condutas abusivas. Humilhava estudantes em público, xingava pesquisadoras, tinha posturas impróprias nas festas
Boaventura de Sousa Santos foi orientador de doutoramento de Bella Gonçalves, entre 2013 e 2014. Depois da situação ocorrida no apartamento do sociólogo, a agora deputada afirma que saiu atordoada do local. No dia seguinte, Bella Gonçalves alega que ela e o ex-companheiro foram descredibilizados do trabalho que estavam a fazer no CES. "Ali identifiquei que você poderia ter vantagens por estabelecer relações afetivas e sexuais com professores. Mas, se você nega, é punida por isso", contou.
Tanto Boaventura de Sousa Santos como Bruno Sena Martins pediram ao CES para serem suspensos enquanto decorre a investigação da comissão independente. A instituição aceitou o pedido.
"É uma estrutura muito hierárquica, machista, patriarcal. Boaventura já era conhecido por condutas abusivas. Humilhava estudantes em público, xingava pesquisadoras, tinha posturas impróprias nas festas. Mas era diretor do centro académico. Eu sabia que nada aconteceria com ele", apontou Bella Gonçalves à "Agência Pública".
"Chegou a pedir-me desculpa"
"Eram noites sem dormir pensando em quantos euros precisaria pagar. Meu cabelo começou a cair. Minha mãe dizia que eu estava louca de abrir mão de uma bolsa no exterior", contou.
A então estudante de doutoramento voltou ao Brasil, onde viria a terminar este grau académico. Bella Gonçalves continuou com o trabalho associado à Universidade de Coimbra, mas a orientação decorreu na Universidade Federal de Minas Gerais. Teve ainda de arcar com alguns custos, por ter perdido a bolsa. A deputada diz agora que Boaventura de Sousa Santos chegou a pedir-lhe desculpa. "Disse que se apaixonou, que era natural entre duas pessoas adultas. Quis manter a orientação da minha tese. Não topei", afirmou.
Além de Bella Gonçalves, Moira Ivana Millan relatou a 10 de junho num evento que foi assediada sexualmente por Boaventura de Sousa Santos. Num vídeo publicado nas redes sociais, a ativista argentina conta que o sociólogo tentou "atirar-se para cima" de si, quando foi buscar livros ao seu departamento.