António Costa era ministro da Justiça, no ano 2000, quando, revoltado com o então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Ricardo Sá Fernandes, que pedia ação governativa sobre o caso Camarate, apresentou a demissão a António Guterres. O primeiro-ministro não aceitou.
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O atual primeiro-ministro já passou por um momento político com semelhanças ao que se verificou, na terça-feira, com João Galamba, com a diferença de, na altura, o assunto não envolver o presidente da República. Em dezembro de 2000, o atual primeiro-ministro ocupava a pasta da Justiça e apresentou a demissão ao chefe de governo, António Guterres. Não foi aceite e Costa seguiu ministro, tendo Ricardo Sá Fernandes - que tinha pressionado Costa sobre o caso Camarate - sido forçado a demitir-se.
Em causa estava uma carta de Ricardo Sá Fernandes, então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, enviada a Guterres sobre a posição do governo relativamente ao caso Camarate. Publicada no jornal Expresso, a posição de Sá Fernandes, que tinha sido advogado de familiares das vítimas da queda do Cessna que causou, em 1980, a morte de Francisco Sá Carneiro, primeiro-ministro em funções, e de mais seis pessoas, gerou a revolta do ministro da Justiça.
Costa sentiu-se pressionado e ofendido, tendo na manhã de 4 de dezembro de 2000 (em que se assinalavam 20 anos da tragédia) apresentado a sua demissão a António Guterres. Alegou não poder "permitir que a honra do PS e dos socialistas" ficasse "enlameada" com a ingerência do colega de governo no tratamento do caso Camarate. "Não posso partilhar responsabilidades governamentais com quem se pronunciou sobre as autoridades judiciárias em termos incorretos", explicou António Costa quando apresentou a demissão.
"Ofensa insuportável"
António Guterres rejeitou o pedido de Costa e quem, durante a tarde do mesmo dia, acabou por se demitir foi Ricardo Sá Fernandes. "Tomei conhecimento das declarações do ministro da Justiça, que pediu a demissão por considerar 'ofensa insuportável' o teor das minhas declarações públicas sobre o processo Camarate", afirmou Ricardo Sá Fernandes em comunicado. "A razão de tal demissão é, portanto, a minha pessoa", conclui o secretário de Estado. Guterres aceitou de imediato a sua demissão. Durou apenas dois meses e meio nos Assuntos Fiscais.
António Costa acabou por manter a pasta da Justiça do XIV Governo até abril de 2002, mês em que entrou em funções um novo executivo liderado por Durão Barroso. Antes, tinha integrado o primeiro governo de Guterres (1995-1999) como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e, depois, a meio do mandato, como ministro com a mesma pasta. Com o fim do ciclo Guterres, e depois de uma passagem pelo Parlamento Europeu, Costa regressou a um elenco governativo em 2005 como ministro de Estado e da Administração Interna, com José Sócrates como primeiro-ministro.