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Há imagens da guerra que nos vão ficando dolorosamente entranhadas. A de uma mulher grávida e ferida em cima de uma maca, mão na barriga como quem quer à força proteger a cria de todos os males do mundo, um imenso cenário de destruição a ladeá-la, é uma delas. Foi na semana passada, quando se soube que os russos tinham cobardemente bombardeado uma maternidade em Mariupol (e pode ser vista aqui).
Nesta segunda-feira, a imagem ganhou contornos ainda mais brutais. Porque a colámos ao final da história, um daqueles finais que preferíamos nunca ter de contar. Nem mãe nem bebé sobreviveram. Os pormenores da tragédia, contados pelo cirurgião em causa à agência AP, atiram-nos para uma crueldade sem igual.
A grávida, em final de tempo, ainda foi transferida de urgência para outro serviço pediátrico, mas a hemorragia intra-abdominal era afinal mais complexa: tinha uma luxação na anca e a pélvis estava esmagada. Ainda foi realizada uma cesariana de emergência, mas era demasiado tarde para o bebé. Ao aperceber-se, contou o cirurgião responsável, a mãe desabou: "Matem-me já." E morreu mesmo, depois de 30 minutos de tentativas de reanimação infrutíferas, como se houvesse um limite para o sofrimento que um só ser humano pode suportar.
A história atira-nos ao chão num só golpe. Como, há uma semana, mais coisa menos coisa, aconteceu com as imagens da tragédia de Kyrill, bebé de 18 meses que foi vítima dos estilhaços de uma bomba russa caída também em Mariupol. Como acontece quando olhamos para os números. Esta segunda-feira, o 19.º dia da guerra, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) da ONU, confirmou a morte de pelo menos 636 civis, entre os quais 46 crianças. E algures entre a consciência do imenso privilégio de podermos abraçar os nossos todas as noites, a angústia de criar um filho em tempos de guerra vai moendo de mansinho.
Entretanto, outras notícias desta guerra que nos amarga os dias: as negociações continuam num impasse, a China nega que a Rússia tenha pedido apoio militar, as Nações Unidos alertam para grave risco de crise alimentar mundial, enquanto o Governo português garante que o abastecimento de bens ao país está assegurado. E diretamente de Kiev, os nossos enviados Pedro Cruz e André Luís Alves, fazem-nos chegar este vídeo, onde a destruição ganha contornos ainda mais reais.
Mas também há imagens inspiradoras, como a de duas crianças ucranianas recebidas com comoventes aplausos numa escola italiana. E que, quem sabe, até poderão ser brevemente replicadas em Portugal, visto que já há perto de cem refugiados matriculados nas escolas portuguesas.
Boas leituras. E se puder, não se esqueça de abraçar o seu filho esta noite.