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Não tenho sabido do António. A última vez que dele ouvi foi no princípio desde ano, uma fotografia em que aparecia a receber um prémio entregue pela cidade de Esposende. Via-se o presidente da Câmara, um diploma e o António mais o seu sorriso enfeitiçado por fadas e querubins. Faltavam-lhe dentes à frente, sinal de que já não era pequenino embora ainda não fosse grande – o melhor dos tempos, a melhor das idades. O pequeno António Cerveira recebeu a distinção de melhor leitor do concelho, o que mais livros requisitou na Biblioteca com o nome do escritor de Vila Chã, o grande Manuel de Boaventura que, se existir vida no lugar onde agora dorme, terá certamente um sentido orgulho do rapaz que, no ano passado, levou para casa 118 livros. Quantos levaria se soubesse ler? Quantos descobriria nas prateleiras se já juntasse palavras e as transformasse em ideias, sonhos e viagens? Entretanto deve ter feito seis anos e já lê. Não sei quantos livros terá pedido à bibliotecária Luísa Leite nestes dias, também não sei para que lugar os leva, se a sua casa é grande ou pequena, se é em Gandra ou na Apúlia, se é na Fonte Boa ou na Palmeira de Faro, se é em Forjães, Curvos ou no centro de Esposende. Mas tenho a certeza de que dentro da sua cabeça o mundo é do tamanho das letras que ele já sabia como juntar antes de saber juntá-las. O pequeno António pode ter dentes de leite e ainda se lembrar da papinha com bolacha e banana esmagada, mas ao contrário de tantos adultos não ignora que a largueza da vida é proporcional ao tamanho das histórias que se guardam. É por isso que os verdadeiros sábios são bibliotecas.