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Alerta o provérbio que, quando a esmola é grande, o pobre desconfia. Como em todos os provérbios, nem é um alerta apenas sobre esmolas, nem é dirigido apenas aos pobres. Esclareça-se, por outro lado, que não se traz para aqui o provérbio por causa do "bónus" no IRS nas pensões e salários de agosto. Isso, para a maioria dos portugueses, foi coisa pequena (esgota-se com as primeiras compras de medicamentos do mês ou com o material escolar para o novo ano letivo) ou inexistente (porque não ganham o suficiente para pagar IRS). O motivo é outro, e com valores ainda mais espetaculares. Vem a propósito de novo anúncio de Luís Montenegro que, a jogar em casa (foi na Universidade de Verão do PSD) apontou para a construção de 133 mil casas a preços acessíveis.
E porque soa isto a esmola demasiado grande de que se deve desconfiar? Podia ser por causa da expressão "preços acessíveis" (nunca se percebe como se traduz em euros), mas também não é isso. É mais pela constatação de que, a cada promessa ou meta falhada, em particular na habitação, segue-se sempre um objetivo ainda mais grandioso, que falhará ainda mais estrondosamente.
Faça-se um rápido exercício de memória. Primeiro foram as 26 mil casas que se iam construir até 2026, a expensas do PRR, segundo António Costa. Quando falta um ano, foram entregues apenas 11 mil de um total, já não de 26 mil, mas de 20 mil. Seguiu-se o anúncio, já pelo primeiro Governo de Montenegro, de que seriam 59 mil casas. Mas as casas entregues, até ver, são as mesmas 11 mil. Como mais do que duplicar, pelos vistos, não trazia ambição suficiente, carrega-se de novo no multiplicador e assim se chega às 133 mil. Mesmo sem ter um horizonte temporal, parece um exercício de fé. E, se há um outro provérbio em que se afirma que a fé move montanhas, não se encontra nenhum sobre a construção de casas.