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Nos últimos dias, multiplicaram-se sinais preocupantes sobre a fragilidade das instituições democráticas. Em Itália, o Senado aprovou uma reforma constitucional que retira autonomia ao sistema judicial, subordinando procuradores e juízes ao poder político.
Nos EUA, a Câmara dos Representantes foi encerrada para evitar um voto sensível sobre o caso Epstein, e Marco Rubio, outrora defensor da diplomacia baseada em valores, tornou-se arquiteto de uma política externa moldada pelo medo e pelo cálculo.
E o Tio Sam volta a interferir, desta vez de forma inaudita: impôs tarifas ao Brasil e cancela vistos de juízes do Supremo. É mais do que pressão – é intimidação. E quando se ameaça a justiça de outro país, ameaça-se a própria democracia.
O que une estes episódios não é uma ideologia – é uma tendência perigosa: enfraquecer os mecanismos de escrutínio, hostilizar a justiça quando incomoda, suspender a transparência em nome da estabilidade. A democracia começa a ruir quando o poder deixa de prestar contas. E, passo a passo, vai-se instalando uma lógica onde o Estado existe para proteger os eleitos, não os eleitores.
É neste contexto que as cidades emergem como os últimos redutos de resistência democrática. As cidades não têm exércitos nem embaixadas, mas têm bairros. Têm escolas, praças, associações. São os lugares onde a política ainda tem rosto, onde a escuta ainda é possível, onde as decisões tocam diretamente a vida das pessoas.
Cabe às cidades – e a quem as lidera – proteger o espaço público, garantir a transparência, defender a justiça como bem comum. Porque se formos cúmplices no silêncio, perderemos também a palavra.
A defesa da democracia não começa em tratados nem termina em tribunais. Começa na rua onde moramos, na decisão que tomamos juntos, no gesto de não ceder ao medo.