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Quando casei, a avó Joaquina ficou a viver em sua casa. Penso muitas vezes que a devia ter levado, a avó tinha oferecido a vida para que nunca me passasse pela cabeça que não era amado. Quando saí ela ficou esvaziada como tantos dos nossos velhos, como nós um dia se não tivermos a sorte de estar bem por nossa conta. Tenho carinho pelo nosso passado. Não apenas o da história, mas também o dos que ainda estão vivos, dos que devemos tratar com redobrado carinho. Detesto a palavra idoso ou sénior, quando for velho quero amar cada uma das minhas rugas, não me chamem coisas que parecem rebuçadinhos para me esquecer do que sou.
Ralhamos tanto por serem acumuladores. Alguns, para não serem repreendidos, escondem o que guardam. O pacotinho de açúcar para a mala, um rebuçado que tiram de todas as tacinhas que veem, qualquer coisa que pode ser um presente para os netos, filhos ou uma amiga, um perfume que não abrem por não se saber se poderão sair no próximo Natal. E as bolachas, pacotes e pacotes de um lanche que se acumula numa gavetinha ou saco, porque nunca se sabe.
Há uns dias a Ana vinha em lágrimas. Perguntei-lhe da razão e ela abriu um saco antigo de pão com restos de bolacha Maria que a tia guardara. A velha senhora sabia que a sobrinha adorava salame de chocolate que jamais saberia ao mesmo sem aquelas bolachinhas esmagadas. Guardei-te estas com muito carinho, minha filha – suspirou ao ouvido a tia que ainda está, que ainda pode ser lembrada em vida, que ainda pode ser celebrada.