Corpo do artigo
Há em Nick Cave qualquer coisa de transcendente. Ouvir as suas canções é uma celebração de vida com a morte presente, um grito de esperança carregado de tristeza, uma redenção sem redenção possível. A morte de dois filhos demasiadamente jovens, o peso da culpa por não os ter resgatado, transformou o cantor australiano num exorcista das dores e pecados de um mundo que o venera.
Em “The Red Hand Files”, espaço em que responde a perguntas, li-o ontem como se estivesse numa missa de letras mágicas. Escreveu sobre o sofrimento, do que faz para o tornar mais leve, do modo como a tragédia pode ser um alimento da criação. Alguém o confrontou com a possibilidade de ajustar contas com o Céu. Cave escreveu então acerca do seu Deus que é amor, mas também suplício. Que é paz, mas também guerra. Que é luz, mas também o mais profundo buraco negro.
Fiquei a pensar. E continuo à procura de respostas. Onde está Deus nos lugares onde crianças são bombardeadas, humilhadas, traumatizadas? Onde está Deus na ignomínia e no horror? Onde está nos rios de sangue, na terra queimada, na morte de um filho? Penso que a resposta é óbvia, está lá. Só pode estar. Se não estivesse, seria Deus? Mas que razão poderosa tem para que tantos milhões sofram tanto? Para que tantos tenham fome e sede? Se soubéssemos a resposta, Deus não seria Deus. Habitaria apenas dentro da nossa cabeça, não fora dela. A esperança que tenho que exista é precisamente o que “Nele” não consigo entender – a começar pelo sofrimento.