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Certos pessimistas irritantes acabam quase sempre por ter razão. É o caso daqueles que, há alguns anos, viram no interesse de investidores estrangeiros no JN o sinal de uma próxima transação imobiliária envolvendo a apetecível torre-sede da Baixa do Porto. Concluído o negócio, o jornal haveria de aparecer transformado em vítima colateral, pois que interesse poderia levar tais negociantes a investir em valores democráticos essenciais como a informação credível, o jornalismo vivo e a sua decisiva importância enquanto suporte cívico da região? A maioria, porém, encolheu os ombros - conforme aconteceu quando outros arranjos conduziram ao fim de “O Primeiro de Janeiro” e de “O Comércio do Porto”.
Uma vez que já vimos este filme, o anunciado despedimento coletivo de 40 trabalhadores do último jornal do Porto ameaça, assim, constituir não só um golpe fatal no ânimo e na qualidade de um projeto jornalístico que, desde 1888, se foi assumindo como voz privilegiada da região, mas também um enorme prejuízo para a afirmação nacional das instituições no Norte do país. Privados do JN, ou servidos por um jornal depauperado, os criadores, os investigadores, as empresas, as universidades, a voz e o interesse público regional terão indiscutivelmente menor visibilidade e, consequentemente, maior dificuldade em influenciar a opinião pública nacional e os umbigos da capital, desequilibrando ainda mais as atávicas assimetrias existentes.
O JN, sabemo-lo todos, não é um jornal perfeito - nem esta época de pós-verdades, notícias falsas e manipulação parece particularmente favorável à prática do jornalismo. Mas o JN é o derradeiro baluarte da informação regional e um fator determinante e fundamental da vida social, cultural, científica, económica e até desportiva da região. Produzi-lo todos os dias, conforme ficou demonstrado com a greve da passada semana, só é possível mantendo os jornalistas, os fotógrafos e os paginadores a trabalhar na redação e nas ruas, empenhados e capazes de assegurar o essencial serviço público que prestam à comunidade, continuando a ser a voz do Norte. A última.