Cresci a aprender que nunca devemos esperar agradecimentos quando cumprimos o nosso dever. Quando fazemos bem o que nos compete, ninguém está obrigado a agradecer. Mesmo na saúde, a competência saúda-se, não se agradece.
Corpo do artigo
Acontece que cresci também quando aprendi que, nesta vida e neste país, existem muitas vezes dois pesos e duas medidas. À medida que fui evoluindo na minha carreira profissional, fui percebendo (e em muitos casos pagando com este corpinho) que à custa do regime centralista português o peso do Norte tem muito pouco peso nas medidas que se tomam no Terreiro do Paço.
De tanto ser assim, esta falta de igualdade para tratar e decidir coisas iguais deixou de ser exclusivamente política e administrativa. Agora é também cultural. No sentido de os governantes e quase todos os políticos instalados na capital terem esta cultura, assumindo-a naturalmente como um legado, que nem sequer tem de ser consciente. Ainda mais grave, esta cultura teima em disseminar-se pelos outros agentes de muitas atividades não puramente políticas sediadas em Lisboa. Presidentes de institutos públicos ou semipúblicos, dirigentes de fundações e instituições, e até muitos jornalistas e responsáveis dos vários órgãos de Comunicação Social com sede em Lisboa, tendem a deixar-se contagiar por este vírus, por esta cultura.
Nos últimos dias tivemos um bom exemplo disto mesmo. Há duas semana, por causa de um problema grave com o funcionamento ou abastecimento de oxigénio, o Hospital Amadora-Sintra teve de enviar cerca de 60 doentes para outros hospitais da região de Lisboa. Não faltaram intermináveis transmissões em direto por tudo e por nada, e no final da operação sobraram elogios de todos os lados, privados e públicos, para os hospitais e profissionais da saúde que ajudaram a resolver, em Lisboa, um problema de Lisboa e arredores. Nada contra.
Durante os últimos dias, por causa do overbooking dos hospitais de Lisboa, o Hospital de São João (e julgo que também o de Gaia) aceitaram receber mais de 70 doentes provenientes de Lisboa. As televisões noticiaram o facto com naturalidade. Objetivamente. Sem dramas nem lamechices, nem agradecimentos laudatórios destes e daqueles. Hospitais como o São João só devem orgulhar-se do dever cumprido, quando recebem e salvam doentes, venham eles da "baixa" do Porto ou do centro de Lisboa. Mesmo quando esse dever se torna muito comprido em perigos acrescidos e horas extraordinárias. (Por que será que a maioria dessas transferências são durante a noite?) Nada contra.
Mas é por ter crescido em Portugal que já sei que, aos parolos do Norte, tudo se exige - mas nada se agradece.
*Empresário