Desafios da representação política na Assembleia da República
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Neste primeiro texto que assino, proponho uma reflexão acerca da qualidade com que os eleitos na Assembleia da República (AR) nos representam. Não me focarei na cor política, ideologia defendida, na qualidade intrínseca ou na remuneração que estes auferem - temas já amplamente discutidos -, mas nos incentivos com que se depara um candidato a deputado, seja numa primeira vez, seja num processo de reeleição.
Em Portugal, os deputados apresentam-se enquanto candidatos a membros da AR constando na lista de um partido - ou coligação de partidos - num determinado círculo eleitoral. Posteriormente, os eleitos são apurados de acordo com o Método d’Hondt, que, procurando assegurar representação proporcional, é tão mais prejudicial para as candidaturas de menor dimensão, quanto maior o número de círculos eleitorais. Em Portugal existem 22 (!): dezoito distritos do continente; um por cada região autónoma; dois para a diáspora. Dada a inexistência de um círculo de compensação nacional, este sistema favorece historicamente um bipartidarismo artificial nas múltiplas regiões cujo número de deputados a eleger é reduzido, contrariando o próprio propósito de proporcionalidade do método. Esta eleição é, ainda, feita através de lista fechada, isto é, pela ordem por que os candidatos são apresentados pelos partidos.
Os deputados, uma vez eleitos, representam o país e não os interesses da região que os elegeu. Durante quatro anos, participam nos trabalhos da AR, votam iniciativas, integram fóruns e, por vezes, participam em espaços de opinião. Contudo, ao fim deste período, para se manterem nesta qualidade - que acredito, por diversos motivos além do estritamente pecuniário, seja a ambição de muitos -, o ciclo recomeça. A condição de um candidato depende novamente da estrutura partidária, e a sua probabilidade de ser (re)eleito é diretamente proporcional à posição que ocupa na lista apresentada.
Embora as estruturas locais sejam consideradas, nada parece pesar mais do que a lealdade ao partido e à sua direção nacional. Este seguidismo, fortalecido por artifícios como a disciplina de voto - que não pode ser totalmente desmerecida -, aliado à ausência de uma prestação de contas eficaz, é - sugiro - um dos maiores incentivos para que a representação dos cidadãos na AR prejudique políticas públicas de longo prazo, privilegiando agendas imediatistas que, muitas vezes, visam satisfazer interesses partidários em detrimento das necessidades concretas da população.