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“Há mulheres que trazem o mar nos olhos” - começa assim o poema escrito em 2009 por uma juíza desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa em homenagem a Sophia de Mello Breyner. Dez anos depois, uma confusão na partilha daqueles versos espalhara-os por centenas de sites, blogues, redes sociais e até trabalhos académicos assinados por professores universitários, nos quais a autoria do poema passara a ser acriticamente atribuída à própria Sophia.
Este caso, deslindado em 2019 pelo jornal “Público”, constitui apenas um exemplo, entre inúmeros outros, e nem todos tão amáveis, do modo como a internet transformou a disseminação (e a adulteração) da informação e do conhecimento, devendo impor-nos, por isso, uma urgente reflexão em torno das competências com que a escola, nos seus mais diversos níveis, deve dotar os alunos e estudantes que serão os cidadãos do porvir.
Das chamadas fake news fabricadas para medrarem na rede e nutrirem discursos políticos assentes na ignorância, germe do medo e do ódio, até aos trabalhos supostamente jornalísticos produzidos à pressa, e sem a devida sustentação, para alimentarem contadores de cliques e aumentarem as receitas dos órgãos de comunicação social, passando pelos erros involuntários gerados (ou não) pelo recurso à dita inteligência artificial, estamos hoje cercados por uma realidade paralela e falsa, um mundo fake em que alguns parecem viver de pedra e cal. Entre os versos de Sophia que Sophia não escreveu e os migrantes que supostamente comiam animais domésticos em Springfield, no Ohio, ou em Portugal, o lixo mistura-se e confunde-se com o colossal, utilíssimo e essencial volume de informação verdadeira que a tecnologia colocou à disposição de todos.
Assim, e após séculos em que os modelos tradicionais de ensino assentaram no acesso ao conhecimento, impõe-se-nos agora a necessidade de os programas de ensino apostarem na aquisição de competências de confirmação, escolha e validação da informação. Da nossa capacidade coletiva para separar o trigo do joio dependerá, creio, o nosso futuro enquanto sociedade civilizada.