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Duas mulheres grávidas não chegaram a conhecer os seus bebés. Sentiram-nos a cirandar, calcaram-lhes o pezinho em cada pontapé, cantaram-lhes canções e imaginaram a vida que teriam. Só que os seus bebés deixaram de dar pontapés. E quando por fim alguém os tirou, o primeiro grito não foi de vida, mas de morte. O grito de uma mãe que perde um filho antes de o poder ver vivo, antes de poder cumprir o sonho de contar os dedinhos dos pés e das mãos, de poder sentir o cheirinho da sua boca, de lhe poder dar mama, primeiro o colostro, depois o leite, o grito de uma mãe que não verá o seu bebé a arrotar ou a bolsar. Foi notícia em todo o lado, uma grávida do Barreiro transferida para Cascais e uma mulher que procurou ser atendida em cinco maternidades. Não parece ter existido culpa de alguém, as tragédias acontecem. Aquelas mães não tiveram vida cómoda, mas não foi por isso que os bebés não nasceram. Só que o tema não é esse. O tema é o fio da navalha, a falta de segurança, o pânico de uma mulher que engravida, sobretudo se for pobre ou remediada. O que deveria ser um grito de esperança é mais um motivo para duvidar, para temer, para desistir. Podemos falhar em muita coisa, podemos até vender os anéis que nos restam ou hipotecar as bugigangas, mas não temos o direito de matar o futuro antes de o ser. Cada grávida que vê morrer o seu bebé leva a que muitas mulheres desistam de ter filhos pelo medo que lhes possa acontecer o mesmo. Como podemos pensar em gastar milhares de milhões em tanques, submarinos, aviões e drones, se nem sequer temos um helicóptero capaz de nos salvar em caso de necessidade?