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Há algo de revolucionário no que o Canadá acaba de fazer. Não foi apenas uma eleição. Foi uma separação formal. Um divórcio geopolítico. Um país votou para se afastar do seu aliado histórico. E não por guerra, escândalo ou invasão – mas por fadiga.
Durante décadas, o Canadá viveu à sombra dos Estados Unidos com a elegância de quem sabia ocupar o segundo plano. Cúmplice, sóbrio, confiável. Mas, agora, com a vitória de Mark Carney, a mensagem é outra: já não se trata de um parceiro. É uma fronteira.
Carney não venceu prometendo mais saúde, nem menos impostos. Venceu dizendo, com todas as letras, que enfrentaria Trump. E isso revela mais do que uma estratégia. Revela o tempo. Um tempo em que os EUA já não unem, mas ameaçam. Em que os países aliados fazem a sua própria rota. Esse é o novo mapa do Mundo: alianças que não se rompem com canhões, mas com planos económicos. Relações que não desmoronam num dia, mas que evaporam ao longo de ciclos eleitorais. A rutura é menos um grito e mais um gesto contido – mas nem por isso menos radical.
O Canadá sabe que este caminho trará perdas. O dólar canadense vacilará. O comércio sofrerá. Mas talvez o país tenha entendido que há um custo maior do que o dinheiro: perder o rosto.
É esse o espírito do tempo: não há mais neutralidade possível. Ou se afirma um lugar no Mundo ou se afunda num espelho distorcido. Carney foi eleito porque nomeou o desconforto e transformou um apelo de dignidade em plataforma política.
Uma era de países que se separam em silêncio pode estar apenas a começar. E o Canadá – educado, cortês, frio – acaba de dar um passo que poucos se atrevem a anunciar: romper com o irmão maior sem gritar. Mas com toda a intenção. Acontecerá o mesmo com as democracias europeias?