A Irlanda aprovou uma legislação pioneira a nível mundial para introduzir nos rótulos das bebidas alcoólicas informação sobre os malefícios do álcool. Apesar da acesa contestação, o Governo de Dublin avançou com a lei que vai obrigar, a partir de 2026, as garrafas a incluir alertas específicos, como o risco de doença hepática, os perigos do consumo durante a gravidez e a associação entre álcool e alguns cancros fatais.
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Sem surpresa, a medida causou clivagem. De um lado, vários estados-membros da União Europeia - Portugal incluído - em que o vinho e outras bebidas alcoólicas têm um forte peso cultural e económico a esgrimirem objeções legais e comerciais contra o que consideram ser uma imposição unilateral. Do outro, instituições e especialistas de saúde pública a aplaudirem a iniciativa irlandesa, com o argumento de que o álcool está associado a numerosas doenças e ao aumento da sinistralidade automóvel e, sendo uma substância psicotrópica (tal como outras drogas ilegais), potencia condutas de risco.
Ao contrário do tabaco - cujos efeitos são já avaliados como nefastos pela larga maioria da população e justificam um apertar das regras -, em relação ao álcool persiste a ideia de que é inócuo, o que se traduz em padrões de comportamento perigosos mas que são tolerados e aceites socialmente. Portugal é o campeão absoluto na ingestão de vinho per capita e apresenta níveis elevados de consumo de álcool em geral. E isso tem reflexo direto na estrada: mais de 15 mil detidos por condução sob efeito de álcool nos primeiros 11 meses do ano passado, o que representa mais de metade da criminalidade rodoviária.
Numa altura em que todas as discussões parecem resvalar para perigosas polarizações, importa distinguir o consumo moderado, ocasional ou social/recreativo do uso excessivo, problemático e patológico. Mas também sublinhar que o que a Irlanda pretende fazer - à semelhança do que já acontece, aliás, com os alertas nos maços de tabaco - não é proibir ou restringir o acesso. É apenas introduzir avisos sobre as consequências de beber álcool. Se tal vai contribuir para diminuir os padrões de consumo, é preciso esperar para avaliar porque trata-se de uma medida inédita e pioneira. O que se sabe é que as imagens chocantes nos maços de tabaco, mais até do que as mensagens, parecem ter algum efeito dissuasor. E isso, por si só, já é positivo.
*Editora-executiva-adjunta