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Os receios provocados pelos avanços no campo da inteligência artificial (IA) são idênticos a tantas outras incertezas, mais filosóficas do que científicas, com que nos fomos confrontando nas últimas décadas. Lembro-me bem de um amigo que, num tempo em que a Internet começava a chegar às nossas casas através de arreliadoras (e caras) ligações telefónicas, jurava que nunca registaria um endereço de email, argumentando com uma série de constrangimentos que serviam de biombo a alguma ignorância em relação ao tema. Continuamos amigos, eu no jornalismo e ele um caso de sucesso nas vendas. Em 2024, o Pedro tem dois endereços de email. Pelo menos.
É natural que o desconhecido nos deixe de pé atrás. Só que o problema não está na evolução, mas na utilização que a sociedade dá a estas incríveis ferramentas. Poucos ficarão sossegados perante a ideia de utilizar a IA para vigiar populações e antecipar crimes, porque, na Argentina de Milei, quem controla o controlador não é de confiança. Como não estamos descansados ao perceber que Tommy Robinson, um extremista de Direita, se diverte, a partir de um resort a milhares de quilómetros da Grã-Bretanha, a promover motins, disseminando, com a ajuda dos mecanismos que a tecnologia oferece, mentiras em série, o que prova que não há crime digital sem mão humana.
Temos um certo jeito para estragar o que é bom, quando deveria acontecer precisamente o contrário, porque, enquanto espécie, é precisamente a inteligência que nos distingue dos restantes seres vivos. A vantagem cognitiva confere-nos amplas possibilidades, como a de sermos dominadores. Paradoxalmente, esse domínio sustentado na inteligência também é a primeira condição para alguém ser estúpido.
Bem vistas as coisas, 30 anos depois, consigo perceber o Pedro, porque o email e a filha mais nova, a SMS, são terreno fértil para burlas, com esquemas produzidos por pessoas. É por isso que tenho mais medo delas do que dos supercomputadores.