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Se eu vi um homem que viu outro que viu o mar, apenas posso acreditar naqueloutro que realmente molhou os pés na areia. “Primum vivere, deinde philosophari”, diriam em latim sábios gregos. Menelau estava no seu posto sem saber.
Um presente de Grego não é apenas um cavalo em Troia carregado de traidores, ou, como os brasileiros dizem, alguma coisa que alguém nos oferece e nos piora a vida. Também é o amanhecer do sol em Éfeso, um esquecimento em Kós ou um naufrágio em Lampedusa.
Agora está a pensar que esta prosa está estranha, errática talvez, que vai já no terceiro parágrafo sem que se perceba bem o seu significado. É uma coisa clássica, imperscrutável, nítida à sua maneira, mas se ler com atenção verá que é tudo claro. O céu, negro. O mar, breu.
O Bem e o Mal são sempre a mesma coisa e o mesmo lugar. O ótimo é o odioso; o alto é o rasteiro; o fim é o princípio. O alfa e ómega são apenas um círculo de Sísifo que se repete eternamente sem que os circunstantes se apercebam disso.
Parágrafo quinto. O cavalo de madeira empinado no terreiro vê o sol pousar sem que os seus ocupantes se apercebam disso. Afinal, no ventre dos monstros é sempre noite independentemente da altura do sol.
Todos adormecem menos um. Também se chama Menelau, como o rei, sem saber que o rei se chama assim. Como gagueja, escolheu o silêncio para não se revelar e esmagado pelo hálito sólido dos soldados finge dormir na esperança que ninguém se lembre que existe.
Até que num sonho, Menelau sem coroa se imaginou degustando escargots num bistrôt turístico dos Campos Elísios. Sonhava que Helena dizia basta a Páris e nada mais aconteceria na história ocidental. Mas não foi bem assim.
Distraído a discorrer sobre a imortalidade, Menelau não sentiu a ponta da lança escorregar do sono e vir em sua direção. Morreu sem um som. Como a maior parte.