Passaram umas boas décadas, mas nunca mais esqueci um discurso do meu pai no balneário. Na qualidade de dirigente, antes de uma partida de andebol, injetava moral nos jogadores com uma palestra forte, sobre a necessidade de sentir o peso da palavra "amador".
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"Amador é aquele que ama. Amamos o andebol e o clube, é por isso que estamos aqui". Não me recordo se o Leça FC venceu. Mas para mim, a partir desse dia, "amador" deixou de ser apenas aquele que não recebe salário por praticar uma atividade lúdica. Para estarmos de corpo inteiro, seja lá no que for, é necessário amar.
Com os cuidadores, também é um pouco assim. É preciso amar para entregarmos a vida a alguém. Muitas vezes, aqueles que podiam ser os melhores dias da nossa vida. Cuidar não é tratar. Também é, mas não só. É mais do que isso. É estar, é abdicar da individualidade, é abdicar das prioridades, é abdicar de nós. Há muito de nobre nesta missão amadora e esquecida. É impossível, por isso, conter a emoção quando ficamos a conhecer casos como aquele que o Roberto Bessa Moreira contou na edição de ontem do JN. Um filho, desesperado, desamparado, tenta matar a mãe e põe fim, a seguir, à própria vida.
A saúde mental e a assistência aos idosos são problemas que a pandemia veio agudizar. Mas a covid-19 não pode ter umas costas do tamanho de todas as injustiças que sucessivos governos não conseguem resolver. O decreto que regulamenta o Estatuto do Cuidador Informal andou aos trambolhões pelas catacumbas do Parlamento até ser, finalmente, aprovado na passada semana, depois de testes, experiências-piloto e outras análises semilaboratoriais próprias de um país que tem nos grupos de trabalho uma espécie de força de adiamento - quando não de bloqueio - para quase tudo o que é estruturante. São métodos redondos que conduzem ao esgotamento e ao esquecimento. Ao "burnout", como nos dizia, ontem, a vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais. Ou ao desamor pela vida, como a daquele homem de meia-idade, que preferiu entregá-la ao abismo.
*Chefe de redação