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Se acreditarmos em coincidências, provavelmente não nos admiramos ao sermos confrontados com o momento da revelação das escutas que envolvem o ex-primeiro-ministro António Costa, no âmbito da Operação Influencer; se não acreditamos, ainda menos estupefactos ficamos. Este é o estado a que isto chegou, como disse Salgueiro Maia naquele abril de 1974 que, em teoria, nos devolveu a liberdade de conversar com quem quisermos sem correr o risco de ser escutados por terceiros, ou por um país inteiro.
Nenhuma dúvida sobre o facto de a possibilidade de intercetar chamadas telefónicas ser um instrumento válido para cercar criminosos, mas não, não vale tudo. E o pior que nos podia acontecer aconteceu mesmo, porque, com o estado a que isto chegou, qualquer português pode pensar que não há coincidências.
O problema não está no Supremo ter autorizado a transcrição de uma conversa entre dois governantes - embora, por não ser essencial ao processo em investigação, até esta decisão seja juridicamente questionável -, a questão é a escuta ter saído da esfera do segredo de justiça. Gostemos ou não, é crime. No caso, ainda mais grave por se tratar de um diálogo eminentemente político.
O Ministério Público abriu um inquérito para investigar a fuga de informação. É pouco mais do que nada, sou capaz de apostar que vai dar em nada, até porque não é a primeira vez que acontece. Saímos de tudo isto com uma única certeza: só com muito boa vontade podemos continuar a confiar no Ministério Público, o que não é nada bom para a saúde da democracia. Pelo contrário, é sinal de doença grave, que afeta o regular funcionamento das instituições ao ponto de, nos últimos tempos, até marcar os calendários eleitorais.