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Primeiro, a pandemia, a seguir a guerra, depois o surto inflacionista. Quase sem darmos conta, estamos todos a fazer contas. Parece que a carne de vaca, o frango, as batatas, o leite e derivados, tudo vem da Ucrânia ou ficou mais caro porque estivemos um ano semicerrados à varanda a cantar no embalo de testos e panelas. É a economia de mercado, estúpido, dirão alguns.
Quem tiver dois dedos de testa percebe que é preciso ir à raiz do problema para identificar a cura. Mas tudo isto é tão complexo que prefiro concentrar-me naquilo que conheço. Precisamos de comer para viver. Quem vai ao supermercado mede o poder de compra em sacas. Antes da visita da covid-19 enchíamos duas com 30 euros, hoje precisamos de 60 euros e se calhar a despensa continua vazia. As injeções da evolução do cabaz de compras e dos rankings, o biorritmo animador do gráfico do desemprego são retórica política que pouco interessa às famílias. Importante é o rendimento disponível ao final do mês, cada vez mais curto, com tendência para desaparecer como o nevoeiro das manhãs de primavera. A inflação é a brisa que nos deixa mais pobres. Azar dos Távoras, não dá lugar a manhãs soalheiras mas a dias cinzentos, visíveis na desesperança dos nossos jovens e no medo dos nossos velhos. Este clima inóspito é terreno fértil para o populismo, ao qual milhares se agarram porque, sem alternativa, acreditam no que precisam de ouvir. A necessidade de acreditar é intrínseca à condição humana desde os primórdios da civilização. Sempre foi assim, do mito à religião, pelo que é necessário redirecionar as políticas para as pessoas, para quem trabalha e conta os euros ao final do mês. Para os que estão à espera do dia 31 e para os que chegam ao dia 25 ainda à espera do fim do mês anterior. Menos retórica, mais ação, menos medidas eleitoralistas, mais estratégias para, rapidamente, dar resposta a uma classe média que vive em perda há três microciclos que têm tanto de curtos como de dolorosos.